segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Entrevista inédita com a Democracia

Depois de muito tentar, muitas ligações, muitos emails, muitos zaps, finalmente consegui a entrevista que tanto queria e que agora compartilho com vocês aqui em primeira mão. Eu entrevistei "ela", a indefectível, poderosa e exilada DEMOCRACIA!  Acreditem, a Democracia me recebeu em sua casa, em Niterói, sob forte segurança e sigilo (por isso, não revelei nada até que a entrevista se concretizasse). Ela estava um pouco nervosa e eu muito mais. Portanto, peço desculpas pelo abuso retórico de ambos. Vou publicar agora o primeiro dos 4 blocos, pois ainda estou trabalhando na transcrição dos outros três. A Democracia tem o pensamento muito rápido, é muito prolixa e isso impõe alguns desafios no momento de transcrever e depurar o sentido de suas falas. Ela me recebeu na cozinha, mas depois fomos à biblioteca. Muitas plantas e flores pela casa, dois lindos gatos e uma papelada imensa em cima da mesa de centro, misturada a livros, cartas, búzios e brinquedinhos de gato. Com vocês, portanto, a entrevista com a Democracia:

Conde: Olá, Democracia, como vai?

Democracia: Não muito bem, né, Conde. Cê sabe.

Conde: Bom, eu começo perguntando sobre o cenário político. Como a senhora enxerga a situação do país?

Democracia: Conde, em primeiro lugar, eu não sou "senhora". "Senhora" é a imprensa, com aqueles vestidos floridos e perfumes adocicados. Eu sou jovem, mal completei 30. Uso calça, salto, camiseta e sou tatuada [mostra a tatuagem de Lula no antebraço]. Então, peralá, né? Me respeite.

Conde: Não quis ofender.

Democracia: Respondendo à sua pergunta: eu estou sendo alvejada, né, meu, amigo? Eu estou aqui te dando essa entrevista, mas eu preciso andar com 2 seguranças em carro blindado...

Conde: o Madureira e o Carlão.

Democracia: o Madureira e o Carlão e mais o motorista. Então, não tá fácil sobreviver no Brasil. Ontem mesmo eu fui fazer compras no Leblon e um senhor tacou uma pacote de ração pra gatos na minha cabeça. Ainda me xingou de comunista. Logo eu, que sou produto direto do voto popular. Tem dó, né?

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Meu artigo no DCM


http://www.diariodocentrodomundo.com.br/temer-e-medicina-enquanto-retrato-da-sociedade-por-gustavo-conde/

Diário do Conde

Cartório:
- Registra aí: Partido Novo.
- Com acento no primeiro 'o'?

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Já perceberam como a imprensa não dá plantão no hospital em que Temer está internado, como não questiona médicos, como não chama especialistas para seus estúdios, como não não explora a notícia? É uma imprensa super civilizada, a melhor do mundo.

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Pessoas maldosas falam que FHC tem Alzheimer, não sei se de maneira figurativa ou não. O fato é que se FHC tivesse Alzheimer, ele seria muito mais lúcido e coerente. Se se pegar as declarações que ele deu no último ano e "enfileirar" vão parecer tudo, menos que são de uma mesma pessoa. Como linguista, eu diria: FHC tem um problema de "autoria".

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Tem gente que foi a favor do impeachment e hoje chora para não ser "confundida" com golpista. É a mesma situação do impeachment do Collor: depois do impeachment de 92, ninguém sabia aonde estavam os eleitores do Collor. Todos haviam sumido.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Minha coluna no 247

https://www.brasil247.com/author/Gustavo+Conde

O voo cancelado para o futuro do país

Utilizo a semiótica para fazer uma homenagem sentida ao reitor Cancellier, "suicidado" pela justiça apodrecida do país, e, ao mesmo tempo, presto o favor respeitoso de colocar a polícia federal diante do espelho.


Apanhadão do Conde

Próxima fronteira da luta agônica do poder? Bitcoin e criptomoedas. O nó convulsivo do momento é o nó da informação. A informação deixou de ter dono: editores e donos de jornal vão afundando cada dia um pouco mais na lama das fraudes e dos textos obsoletos, desconectados da realidade.

Essa crise, que atende pelo nome de "o perigo das mídias sociais", está em curso e já passou da "metade". Daqui a pouco, enterra-se esse jornalismo imbecil do século 20. O problema é o que vem por aí.

Imaginem os bancos e as autoridades financeiras enlouquecidos com uma nova unidade monetária, mais interessante, mais "coletiva", menos sujeita a fraudes - sic, mais inteligente, mais sedutora, mais inovadora?

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

A falácia econômica do século

"É preciso criar riqueza e não distribuir". Se esse pessoal da direita soubesse, pelo menos, "criar" alguma riqueza, eu já me daria por satisfeito. Eles só dão prejuízo ao estado, com suas falências, dívidas e represamentos (eles escondem o dinheiro, não o fazem circular). 

É a falácia do milênio. Querem acumular e só. O que eles sabem produzir - com essa lógica de psicopata - é pobreza. Nisso, eles são bons. É só lembrar da crise global do subprime em 2008.
  
Só para atenuar o prejuízo desses "empreendedores", o Estado teve que desembolsar 2 trilhões de dólares (via "sistemas financeiros", nome palatável para "dinheiro do povo") - o que, é claro, não foi suficiente. 

Lula já tinha subvertido essa lógica no decênio 2003-2013. Distribuindo de maneira justa uma ínfima parte da arrecadação do Estado (que é de todos e não de meia dúzia) - o bolsa família - ele fez a economia girar com inédita eficácia. 

O dinheiro circulou. Isso é básico até para os cursos mais conservadores de economia: o que importa é o movimento. Se aquele assessor do Clinton ganhou notoriedade com sua frase "é a economia, estúpido!", eu acrescento mais uma, complementar: "é o movimento, idiota!". Sem movimento, o capital não GIRA - sic-, nem tampouco produz qualquer espécie de riqueza. 

Eu já havia dito tempos atrás que se o glorioso Karl Marx levantasse da tumba e se deparasse com Lula, um metalúrgico sem estudo formal, sindicalista, criador de um partido singular com influências de tendências progressistas da igreja católica, do pensamento progressista e, acima de tudo, de uma visão pragmática e eficiente - cuidado porque são elogos - de negociação acrescida de pouquíssima veleidade "socialista" na acepção teórica-romântica do termo, ele, Karl Marx, sofreria uma síncope. Mandaria recolher "O Capital" e reformularia, humildemente, seu pensamento. 

Porque Lula mostrou que não é preciso ser comunista nem socialista para distribuir riqueza. Ele demonstrou na prática, com toda a sabotagem que lhe foi imposta, que a distribuição produz muito mais riqueza que o puro e simples represamento de valores para investimentos "estratégicos". Lula é um case internacional histórico e todo economista sério sabe disso. 

Daí que quando eu vejo criaturas enchendo a boca para dizer que "distribuir riqueza" não adianta nada, que o melhor é "produzir riqueza", sou tomado mais uma vez por um sentimento profundo de comiseração. É um tipo de lógica absolutamente proscrita de qualquer debate sério, técnico, fundamentado sobre economia e sociedade. 

Esses sabidões são uma espécie de corolário da produção de conhecimento: a civilização produz hipóteses, tecnologias e interpretações e deixa um rastro de enunciados incompletos que se alastram pela avenida dos lugares comuns. Tem gente que gosta de desfilar nessa avenida. Por pura folia, catarse e falta de assunto.

domingo, 10 de dezembro de 2017

Os cotistas são melhores que os não cotistas

A direita gosta de Darwin (aplicado à sociedade humana) mas esquece de fazer a análise óbvia de como anda o processo evolutivo na civilização ocidental.
Negros, amarelos, pardos e pobres em geral, hoje, estão um passo além das "posses" cognitivas da população branca. O bico do tentilhão de barriga branca encurtou (e só pesca peixinho filhote, com pouca proteína).
Séculos e séculos dominando a distribuição da riqueza proteica e das condições gerais de subsistência fizeram com que os "brancos bem nascidos" mergulhassem numa zona de conforto que lhes extraiu qualquer capacidade de competitividade.
São os playboys, que nasceram em berço de ouro, tiveram acesso a viagens, livros, tecnologia, alimentação, qualificação, universidade, herança etc. Quem tem tudo na mão desde a tenra infância perde a capacidade de conquistar o mundo com as próprias mãos.
É só olhar no horizonte próximo: Huck, Doria, Alckmin, Temer, Aécio, Marcelo Odebrecht, Geddel, socialites, apresentadores, atores canastrões etc. Eles mal sabem escrever.
Coloque-se um negro pobre e um branco rico em um reality show que afira - de fato - a inteligência (não o conhecimento formal) e o branco comerá poeira como já come nas pistas de velocidade e no esporte em geral.
O negro há décadas como o melhor esportista de alto impacto disparado não chegou a essa performance pela compleição física: é inteligência. Um maratonista queniano sabe se preservar, sabe dar a passada ideal, sabe modular todo o seu organismo para chegar na frente. Um velocista jamaicano é tecnologia muscular pura, passadas, sprints, ritmo e muita, mas muita, muita garra.
É isso que explica a alta performance intelectual dos cotistas e o desastre dos não cotistas. Talvez, seja por isso que a direita realinha seus pendores subargumentativos para zonas de discurso como o criacionismo. Se usarem a ciência para ler o mundo, eles estão ferrados.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Leitura digital e pintura histórica

A experiência da leitura na internet merece ser melhor explorada. Dos layouts e designs de sites e blogs que venho observando há anos, não há muita coisa em termos de visualização que me pareça atrativa.

Conteúdo é outra história, há muitas coisas excepcionais, sobretudo as que vem de usuários da cena selvagem e "anônima", em geral jovens muito jovens que escrevem sem um pingo de frescura e com muita voracidade, gramaticalmente inovadores, semanticamente singulares. São dicções, vozes da cena digital, presente e futuro das narrativas, do relato e da história.

A minha concepção do que seja "visualização" de texto passa por todo um repertório visual pressuposto e suas respectivas percepções estéticas e significantes. A arte do design digital, em algum sentido, perdeu a conexão com os sentidos históricos e travou uma metalinguagem, comprimida entre o slogan, o corpo da letra, a diagramação, o banner, o gadget, o link.

Não é assim que vejo a experiência de leitura digital. É preciso amarrar os sentidos do texto com a pintura, a fotografia, a arquitetura, a arte e o sentido histórico de maneira geral. É preciso lembrar sempre que a internet é só uma plataforma, não um universo que se basta a si mesmo.

É com base nisso que tomo um caminho diferente na estrutura visual do meu blog. Embora a massa de textos que produzo seja essencialmente de cunho político, a estética do jornalismo, com suas fotos, ilustrações e disposições espaciais compartimentadas e em blocos, não me parece um plano de leitura minimamente interessante e, acima de tudo, "desalienante".

A automação da leitura e da própria experiência da leitura em escala, faz a qualidade do leitor rarefazer-se, como sói acontecer na cena dos compartilhamentos de informação atual, sejam eles físicos, sejam eles digitais.

A proposta que eu faço é mesclar a experiência visual histórica e plena de sentidos com textos sobre o cenário mais convulsionado da política mundial: o brasileiro. Não haverá, necessariamente, relação direta entre imagem e texto, senão aquela que pode libertar o leitor de sua zona de conforto, em que se recebe tudo mastigado e facilitado.

A proposta deste blog é perturbar o leitor, instigá-lo a escrever, a produzir sua leitura, a polemizar, a discordar, a assumir sua posição política com dignidade e inteligência. Tudo é muito simples, sem pendurricalhos, sem propaganda, sem a miríade de links para "otimizar" a navegação (sqn). Lembrando que isto é apenas um blog, não um portal.

Tudo é muito delicado, por assim dizer. A essência da linguagem é o próprio texto e todas as suas dimensões e filigranas, tudo o que se abre para ampliações, contestações e degustação simples. Este espaço quer, apenas e tão somente, fazer o espírito crítico aflorar em todos os sentidos.

E como o ilustre blogueiro sujo irá monetizar e/ou sobreviver? Bom, eu gosto tanto de escrever que até pagaria para isso. A questão não é tão essa. A questão é produzir interlocução. Isso me basta enquanto pagamento pelo meu trabalho de escrevinhador. A interlocução é um valor extremamente raro e importante nesse mundo selvagem. Ela agrega, ensina, lapida, constrói, produz, desacelera, realiza.

O valor 'interlocução' é, portanto, o que busco. Acessos, likes, compartilhamentos, escala, patrocínios, tudo isso é acessório. Evidentemente, não há proibições corporativas, mas o meu foco está e estará sempre voltado para os sentidos e para as interlocuções múltiplas que esses sentidos poderão alcançar.

Em suma: tudo isso para explicar e contextualizar minha opção inicial de selecionar imagens de pinturas históricas para preencher o espaço visual de um blog essencialmente político. Será assim e bato o pé. Não quero copiar nem o layout tampouco a dicção ou a expertise de ninguém. Quero construir a minha (ou melhor, a nossa). Sejam bem-vindos e boa leitura.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Justiça e jornalismo: um casal vulgar e suicida

As mentirinhas pontuais que são desmentidas no próprio ninho têm a sua função estratégica. É uma função pobre, desonesta, risível, mas é uma função.

Dizer que Lula ganhou um milhão do Khadafi, que ganhou comissão na venda de caças, que é dono de triplex, que é dono de sítio em Atibaia, que seu filho é dono da Friboi, que seu filho foi visto saindo de uma Ferrari dourada em Dubai, tudo isso massageia os neurônios avariados de grande parcela da classe média - essa ode à ignorância - (com todo o respeito à ignorância, que também tem sua função), mas não alcançam legitimidade empírica.

Qual é a função das mentirinhas? É desacreditar toda e qualquer notícia, até as "reais" (minoria absoluta em se tratando de jornalismo brasileiro). Pode parecer estranho, mas o descrédito da imprensa é vital para o prosseguimento do "sistema", da estrutura de crenças e valores que movimentam a narrativa de uma realidade forjada, imposta por grupos, absolutamente essencial para o "mercado", tanto das finanças quanto das ideias.

A notícia que diz que Lula recebeu "quantias ilícitas" tem 40 anos de idade. Ela é uma senhora. Desde 1978, ela aparece toda pimpona e serelepe, como num desfile de carnaval. Só muda a roupa e o perfume (às vezes, nem isso).

Diferentemente do que se pode imaginar, o cidadão incauto não "acredita" propriamente nesse tipo de notícia - que ele já conhece de velho. Ele se diverte com ela. Bravateia, irrita amigos politizados, ganha um eixo temático para umidecer sua aridez intelectual, tornando, assim, palatável sua presença numa rodinha quaquer, seja no boteco da esquina ou na sauna do clube.

A notícia que nasce falsa é um elemento de controle, uma domesticação pavloviana que mantém todos - inclusive os seres politizados - em estado de letargia e salivação permanente, apenas esperando a próxima notícia que irá se encadear a essa e assim por diante.

Ninguém acredita que Lula recebeu um milhão de Khadafi (a não ser os severamente prejudicados intelectualmente que, é claro, existem), sobretudo porque, por mais ingênuo que um cidadão possa ser, ao menos o inconsciente dele sabe que existe algo no mundo chamado"prova". É aí que entra o outro elemento que se encaixou como uma luva nesse jornalismo de qualidade rarefeita praticado aqui no Brasil: a justiça.

A justiça passou a cumprir um papel de dar coerência aos delírios e fantasias do jornalismo. Eles se amam e precisam furiosamente um do outro neste momento. A justiça e o jornalismo são o par romântico central da presente novela em exibição. Traições à parte, eles tendem a casar no final. A cena é insinuante: a justiça grávida, enxugando as lágrimas com a própria venda (que ela arrancou num gesto de delírio e fúria) e a "família jornalismo" toda feliz, representada por atores canastrões em fim de carreira.

O único problema não previsto por esses fraudadores de realidade é que a justiça não é uma profissional do teatro. Eles levaram a sério o que, a rigor, não era para ser levado. Daí a excrescência de coadjuvantes amadores como Dallagnol e seu powerpoint, Moro e suas aparições inacreditáveis para um juiz (ele parece um ator, reparem), procuradores que confundem Hegel com Engels e assim por diante.

Ao tentar dar coerência ao script trash do jornalismo, a justiça se imbecilizou e se desacreditou a si própria seriamente. Ela interferiu demais na estratégia secular do jornalismo em oferecer aquela ração pobre e acochambrada para manter parte da sociedade sob estado letárgico. Duas definições podem dar conta deste fenômeno: um, a fantasia foi além do ponto (e ficou over, mal permitindo novos encadeamentos narrativos de tão absurda). Dois, a justiça foi com muita sede ao pote.

Na ânsia de querer acabar com a corrupção - sic - a 'liga dos procuradores' entrou numa espiral de ridículo e de risível. São motivo de piadas diuturnas em bares, cafés, padarias, postos, esquinas, redes sociais e mídia alternativa.

O ciclo "virtuoso" das notícias intrinsecamente fajutas, portanto, se quebrou e arrastou parte considerável da vida mental do pobre leitor de Folha e Estadão. Este passou a formular, ele também, as teses esdrúxulas do jornalismo rastaquera que ele consumia por esporte. As piadas irônicas da esquerda viraram teses da direita: quem não viu um juiz falar em "minoria heterossexual", ou um Kim Kataguiri da vida dizer que o PSDB é comunista?

É desse furdúncio que brota uma perspectiva para o futuro. Traduzindo: não há ninguém com o controle da situação. E quando ninguém controla a situação, a tendência é que a coletividade prevaleça. Evidentemente, não sem violência, arbítrio e sangue. Mas, isso faz parte da história, por mais beicinho pacifista e contemporizador que influenciadores seniores educados possam fazer. Ninguém aqui acha que a sociedade é boazinha e solidária per si.

Durma-se, no entanto, com uma conjuntura ideológica dessas: jornalismo e justiça como um casal fruto da promiscuidade, e fantasia e fato (convicções e provas) como a prole edípica que protagonizará o desfecho final: a primeira, como a filha bastarda vingativa e o segundo, como o Hamlet traído e irresistível. Dá uma ópera.


quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

O pessimismo como (anti) valor social

Ser pessimista é uma arte. Dá ibope social, causa um efeito-inteligência, dá um up na beleza e no argumento. O cético é admirado, bem visto, concorrido, respeitado. Pena que ele seja também a ferramenta mais preciosa do sistema.
Alguns diriam: é melhor ser um pessimista vivo do que um otimista morto. Fato. Mas, durante a vida, essa ingrata, talvez seja melhor vivê-la, não fazer propaganda da sua desumanidade.
Achar - e advogar apaixonadamente - que o Brasil foi tomado por bandidos, que isso irá durar 50 anos, que não terá eleição, que Lula será preso, que vão votar no mesmo congresso, que "tá tudo dominado" é abaixar a cabeça e ficar de joelhos.
O que, aparentemente, trava o Brasil não é a burrice, nem a cordialidade do povo: é o ceticismo. É aquela certeza de que nada do que você faça ou sonhe terá consequência ou resultado.
Assim caminha a educação, por exemplo. O professor não acredita no sistema, não acredita na apostila, não acredita nos alunos, não acredita em si mesmo e, é óbvio, não acredita em resultado nenhum de nenhum lugar.
Vítima? De quem? Do sistema? Cultural? Daí, eu pergunto: o pensamento serve para quê?
O pensamento "entreguista" não é sinônimo de reflexão ponderada, de atitude preventiva, de pés no chão. O entreguismo é o que é: você doa sua capacidade de reação ao seu algoz, dia e noite. Não bastasse, anula e desanca com fervor os pares que lutam por você, que fazem greve, que pintam faixas, que tomam porrada de policial e que vivem na correria sem perder a ternura.
Já pensou se Darwin fosse cético? Se não acreditasse na sua tese? Se Fidel ficasse esperando (como Lula esperou) a democracia chegar em Cuba para se eleger? Se Chico Mendes calçasse o chinelinho e deixasse os seringueiros morrendo assassinados? Se Chomsky aceitasse que as teorias linguísticas vigentes eram boas e suficientes? Se Einstein dissesse que esse papo de curvatura da luz é impossível de provar?
Mais que cultural, o pessimismo glamourizado do brasileiro de esquerda classe média, é o sintoma máximo da sua baixa autoestima. Autoestima, no Brasil, é crime. Há um imenso cabresto imaginário travando a ação de todo e qualquer cidadão, seja na política, na arte, no trabalho ou na própria vida pessoal.
Não é fácil cultivar autoestima. Dá trabalho. Não dá ibope que nem o pessimismo intelectual. Exige disciplina e um pouco de humildade, humildade para identificar e ver as qualidades dos próprios pessimistas que te cercam, porque, é óbvio, eles as têm.
O resultado prático, interno, posso garantir: é avassalador. Mais do que produzir tudo o que você quiser e bem, a dimensão espiritual e mental da sua vida ganha amplitude. Você passa a equilibrar as percepções, entendendo, por exemplo, que uma pessoa humilde e sem estudo formal é intelectualmente muito mais interessante que a maioria dos acadêmicos de grife que produzem seguidores e opinião clichê de maneira industrial.
Você passa a entender que a riqueza intelectual não está no topo da pirâmide da educação, dessa educação brasileira viciada e limitadora, normativa, burocrática.
Essa percepção ainda deixa claro - ao contrário do que a leitura apressada poderia fazer crer - o quanto você deve lutar pela educação e por uma educação muito melhor do que essa que grassa pelo território brasileiro, do pré à pós graduação.
Lembrei agora: foi isso que Lula fez. Ele, sem estudo formal, construiu muitas universidades (que estão sendo destruídas e criminalizadas neste exato momento).
Em suma: que não se tente associar otimismo a ingenuidade e pessimismo a sabedoria. Essa significação é aquela que, por séculos, tem sustentado toda e qualquer estrutura de poder excludente, racista, patrimonialista, corrupta e cética. Ela não acredita em nada, senão nos próprios privilégios - e os defendem com todo o fervor.
É preciso gerenciar a timia otimismo/pessimismo, bloquear os sentidos históricos que a transforma em perfumaria ideológica. Porque, no final das contas, quem vive e respira não pode ser um pessimista convicto.