Deneuve e as 99
francesas da carta ao Le Monde chamaram a atenção do mundo porque, no fundo,
são mulheres defendendo homens. Homens adoram isso (que uma mulher o defenda).
É um desdobramento do complexo de Édipo.
A psicologia
masculina, vamos combinar, é uma das coisas mais primitivas de que se tem
notícia. Homem que é homem nem sabe o que é sexualidade. Podem saber até
definir o verbete, mas manifestar e modular a própria sexualidade é algo que me
parece distante da realidade masculina, com todo o respeito.
Fico pensando se
Lacan sabia lidar com sua própria sexualidade. Construir uma teoria ele soube.
Mas e na prática?
O tema é um
óbvio tabu. Sexualidade de homem é sinônimo de testosterona. Homem que
manifesta alguma complexidade na arte da sexualidade acaba se descolando da
significação de "homem".
A sexualidade do
homem é um oxímoro. Ela se resume, basicamente, em ereção, penetração, orgasmo
e cansaço. Difícil a vida da mulher heterossexual.
Imaginem o que
era a relação sexual heterossexual até meados do século 20? Agora, imaginem
como foi o restante do século 20? Feito isso, pensem no século 21. Não sei se
mudou muita coisa.
Mas, como? Um
homem criticando a postura sexual dos próprios homens? Traidor! É gay! Só pode
ser gay!
O assunto me
entedia profundamente. Parafraseando Nelson Rodrigues, falar da sexualidade
masculina é a pior forma de solidão.
O que mais
impressiona, no entanto, nem é ver mulheres defendendo esse desdobramento da
sexualidade masculina retrô chamado escrotamente de "galanteio". O
que impressiona é ver a massa de textos de
homens-machos-brancos-de-meia-idade-colunistas-de-jornal aproveitando a carta
do Le Monde para deitar as respectivas histerias brochantes na conta do
feminismo.
Demétrio
Magnoli, hoje, se supera. Pondé - o de sempre - dispensa comentários. Nelson
Motta é quase um caso de criança que ainda não se desvencilhou da fase anal.
Esquerdomachos e
direitofêmeas também abundam. A rigor, a velha imprensa só tem gente à beira da
autópsia. Nas mídias alternativas, a parada é concorrida. Tem para todos os
gostos, ainda que prevaleça a posição mais conectada à realidade dos fatos e da
emancipação da mulher.
Mas homem...
Francamente. Como diria Tutty Vasques, "ô, raça!". A obtusidade da
testosterona é puro retrocesso. Na condição de homem dotado de autocrítica, me
solidarizo com a totalidade da população feminina heterossexual ou não que tem
que aturar esse arremedo da espécie - porque, afinal, a vida não se resume a
sexo, como aliás, pensa a maioria dos gloriosos machos-alfa do alto dos bancos
de couro de seus carros sport.
Talvez, a música
tenha me salvado dessa condição precária de existência - com toda a
sensibilidade física e corporal que ela exige e enseja -, mas acho injusto que
eu suponha egoicamente aqui algum tipo de sexualidade "diferenciada":
eu sofro da mesma doença de todos os homens. Aliás, seria típico de um homem
querer parecer aquilo que não é.
Nós, homens,
somos bobagenzinhas infames, sexualmente falando. Sem o falo, a gente perde a
função. E vamos admitir: quem sabe seduzir é a mulher. Perto de uma mulher
sedutora, um homem é um mero enfeite, um fetiche. Não há comparação entre uma
esfinge e um obelisco.
O homem
heterossexual reprodutor é um suporte. Querer igualá-lo, ou mesmo nas fantasias
mais delirantes, colocá-lo "acima" da mulher é pura masturbação. O
mito da costela é projeção reparativa. Nós somos a mulher mal feita, a mulher
que não deu certo - sic.
Espanta ver o
nível de ignorância masculina que ainda grassa no debate público sobre
sexualidade. As mulheres que querem ser maternais com os homens estão apenas
querendo ser maternais. Catherine Deneuve é uma mãezona que se ofereceu para
proteger os pobres meninos birrentos, assassinos de orgasmos, homicidas do
devaneio.
A cultura
tradicional masculina chegou a um ponto de colapso: ou o homem se reinventa
logo como ser complementar e complementante ou ele rumará para a extinção.
No fim das
contas, ponderar sobre a própria condição existencial enquanto macho e ter
humildade diante da existência, do corpo e da inteligência de uma mulher, nada
mais é - paradoxalmente - do que uma posição cavalheiresca. Nós teríamos que
defender, elogiar e amar todas as mulheres, sobretudo as feministas. Não querer
domesticá-las.
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