terça-feira, 14 de abril de 2020

A falácia da verdade versus mentira


Reduzir a experiência da linguagem humana a 'mentira ou verdade' é um dos maiores crimes cognitivos que a espécie teve a infelicidade de produzir.
Essa dicotomia serve ao colapso da interpretação.
A linguagem é bem mais sofisticada do que essa regressão medonha na leitura da relação sujeito-sentido.
A esquerda - e os sujeitos alinhados com a ideia básica de civilização (que também é só uma ideia, um efeito; não é 'verdade' ou 'mentira') - são os que mais sofrem.

Eles - eu me excluo parcialmente porque tomei a pílula azul da maldita linguística - insistem em dar um murro subjetivo na ponta de faca histórica: permanecem buscando uma 'verdade', sem saber que isso é departamento do dogmatismo fuleiro.
Jogam a criança com a água do banho, ou: a ciência com a água da prepotência. Porque a ciência é tudo menos a portadora da 'verdade'.
A ciência se baseia na experiência e a experiência não é a verdade, senão apenas a... Experiência.
Como todo significante escravizado pelo mais poderoso sistema simbólico que nos projeta o rotulo de 'seres humanos', a palavra 'verdade' é apenas mais uma palavra, sujeita às intempéries psicológicas de seus usuários, os sujeitos.
Eu fico com o sentido de 'verdade' proposto por Lula, quando ele diz que a 'verdade vencerá'.
Porque essa 'verdade' não é a verdade dogmática dos fanáticos. Mas a verdade histórica, construída tijolo por tijolo, com argumentos e humanidade, sem fraude nem favor.
O sentido de verdade está inexoravelmente conectado ao sentido de 'humanidade', que também vem sendo 'espancado' ao longo da história, sempre é preciso dizer (a pílula azul é uma maldição).
Mas se pudermos restaurar os efeitos básicos da palavra 'humanidade' (no apagamento natural do processo linguageiro), sua sutileza subjetiva pode descontaminar o 'vírus genocida' presente no sentido de 'verdade'.
Não é à toa que a palavra 'verdade' foi questionada, segundo reza a tradição dos textos bíblicos, por Pilatos, diante de Cristo.
A dicção que brota dessas narrativas não deve ser esmagada pela literalização opressora, mas deve ser tomada no âmbito da polifonia: quem protagoniza a angústia semântica de Pilatos é o próprio significante, que explode em toda sua complexidade diante de dois sujeitos edificados em... Significantes!
Se hesitarmos mais uma vez em construir uma relação menos inocente com o sistema significante que nos dá vida simbólica, teremos de amargar mais Bolsonaros pela frente.
Já era hora de a sociedade e a política entenderem isso.

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