sexta-feira, 10 de abril de 2020

Bolsonaro, a Fênix da morte


Imagem: Congresso em Foco

"Há ainda mais um ironia, cujo merecimento nos roça o ceticismo pequeno-burguês: antes da pandemia, Bolsonaro mal se dispunha a colocar os pés nas ruas"

Bolsonaro - desculpem o vocabulário chulo - sabe o estrago que ele faz saindo todos os dias cercado de seguranças em Brasília, visitando padarias, farmácias e centrinhos comerciais.
Ele conta, em primeiro lugar, com a subserviência do nosso jornalismo - que o segue, fotografa, divulga, critica e faz o serviço de graça para sua comunicação política.
Em segundo lugar, ele consolida o trabalho que vem fazendo de maneira impecável nos últimos anos: ele ideologiza a civilização.

Bolsonaro - perdão pela grosseria - conseguiu ideologizar o isolamento, a única forma de prevenir uma escalada de mortes por coronavírus.
O resultado está diante dos nossos olhos: o brasileiro não respeita o isolamento. Se culturalmente já seria difícil convencer o brasileiro a ficar dentro de casa, com esse estímulo semiótico diário dado pessoalmente pela presidência da República torna-se tarefa impossível.
Quem fica dentro de casa somos nós, esquerdistas fanáticos, opositores ao governo, paneleiros do mal.
Bolsonaro - perdão pela falta de educação - está rindo à toa. Ele desfila na nossa cara e ninguém irá impedi-lo, pelo contrário: os jornais e mídias 'alternativas' adoram destacar as fotos com ele caminhando pelas ruas de Brasília. Dá um ibope danado.
A fronteira entre divulgar o que 'precisa' ser divulgado e o oportunismo irresponsável de propagar o comportamento exótico de um presidente com problemas de sanidade e caráter, foi implodida pela falta de capacidade técnica do nosso jornalismo.
A imprensa faz questão de continuar sendo o retrato da face mais obtusa da nossa sociedade, reativa, simplória e sem um pingo de ambição em produzir e/ou aprimorar as técnicas de cobertura e redação.
Bolsonaro - desculpem o linguajar - conta com essa imprensa para perpetuar seu poder de influência sobre a população brasileira, inclusive a que o rejeita: a tensão entre presidente e imprensa faz com que o consumidor de informação tenha de optar entre um e outro.
É a verdadeira 'polarização', essa palavra que essa mesma imprensa, de maneira inocente (e burra), quer jogar no colo da esquerda.
Em outros tempos, esse acirramento da polarização entre presidente e imprensa resultava em impeachment.
Hoje, resulta em descrédito da imprensa.
Não é difícil entender por quê: o embate entre imprensa brasileira e esquerda é real, tem suas bases em fatos e dados empíricos de concepção de mundo.
O embate entre extrema direita e imprensa brasileira é falso, superficial, pois eles compartilham, na prática, as mesmas visões de economia, Estado e sociedade.
Bolsonaro - com o perdão da palavra - é proficiente nessa 'gestão dos contrários'. Ele quer ser 'macetado' diariamente pela imprensa pois sabe que isso lhe coloca em alta conta por parte significativa da população que abomina o jornalismo.
É o que lhe basta.
É curioso ver como aceitamos tudo isso, depois de experimentar mais de uma década de democracia real, com governantes reais e participação concreta da população.
Mas também é curioso ver a que nível chegamos em termos de ingenuidade leitora na arte de codificar o processo político que nos esmaga (o alerta vale para a esquerda).
Bolsonaro - lamento a expressão - não sai à ruas para dar o exemplo contrário ao isolamento. Ele quer chocar a esquerda, tirá-la do sério, surpreendê-la mais uma vez para que ela enuncie, do alto de sua 'superioridade moral': "ele não me surpreende".
É o esfarelamento dos processos de interpretação, renovado a cada instante, a cada lance, por esse efeito colateral da impostura e do ódio que habita o 'Palácio do Planalto' (outra velharia arquitetônica-semiótica desconectada de seu tempo e de sua razão de ser).
Há ainda mais um ironia, cujo merecimento nos roça o ceticismo pequeno-burguês: antes da pandemia, Bolsonaro mal se dispunha a colocar os pés nas ruas.
Cancelou a maioria dos atos públicos do governo por medo de ser vaiado e hostilizado, uma vez que o governo não apresentava qualquer sinal de retomada econômica.
Tão logo as ruas se esvaziaram em função da quarentena, ele recobrou sua 'coragem' e passou a desfilar publicamente com rara desenvoltura e entusiasmo.
As ruas ideais para o desfile de um presidente anti-povo são assim: semi-desertas.
Este indivíduo - cujo nome aterroriza a alma - prosseguirá com suas saídas, que serão cada vez mais intensas, seguindo o ritmo do empilhamento de cadáveres que se aproxima.
O governo segue retardando as estatísticas da pandemia brasileira, sob olhares incrédulos da imprensa e da classe média que se recolhe porque pode se recolher.
O atraso deliberado - e criminoso - em fazer chegar o benefício de seiscentos reais aos brasileiros trabalhadores está absolutamente conjugado com a política genocida do Ministério da Saúde, que capitula diante da presidência, mesmo tendo o dobro de popularidade.
Pergunta técnica: quem liga para o Datafolha a essa altura dos acontecimentos e da dominância semiótica avassaladora de um presidente sustentado por nossos pavores?
Bolsonaro - não mais me desculpo desde a última menção passada em branco que o leitor atento deve ter estranhado - permanece e vai dispensando as sentenças explicativas.
Ele foi imunizado politicamente por nossa covardia estrutural que, desde sua apologia apaixonada a um torturador em pleno Congresso Nacional, vai lhe estendendo o tapete vermelho-sangue para seu icônico desfile nas ruas desertas, que esfrega nas nossas caras o quanto somos vulneráveis e bem comportados - como o próprio gado que lhe serve.

3 comentários:

  1. Chama o Lula, Conde!
    E diz para ele que eu vi um vídeo sobre Hong Kong onde toda a populaçao usa máscara na rua e com isso não há nenhum caso de Corona virus por lá. O comércio fica aberto, as pessoas circulam normalmente pela rua e somente as escolas fecharam. É isso me deu uma ideia para educar esse nosso povo inconsequente e mal-educado Que ainda por cima tem o azar de ter o exemplo de um presidente que não bate bem da cabeca e faz da sua loucura o seu marketing.
    Sou uma de suas fãs idosas (79
    anos) e me lembro do tempo em que era proibido aos homens entrar de bermuda ou sandália havaiana no cinema e em teatros. Todo mundo respeitava. A minha ideia era pedir aos comerciantes para colocarem um cartaz.na porta de seus estabelecimentos: Proibido entrar sem máscara. E, é claro, que os todos atendentes estariam de máscara tbm. Isso permitiria a garantia de que todos iriam providenciaruma máscara, e até lançar modelos charmosos e atraentes! Os governos poderiam estabelecer uma multa para aquele que andasse sem máscara pela rua. Realmente, eu só acredito que se possa acabar com essa epidemia no Brasil, impondo regras punitivas para quem não cumprir as regras estabelecidas.
    Se a contaminação se dá através das gotículas que se desprendem da boca, o povo estaria protegido e não teríamos que ficar privados do ir e vir. Isso resolveria o prejuízo comercial e industrial que já se avizinha.
    Todos de máscara, na rua, no metrô, em qualquer transporte, em qualquer lugar publico, em parques, cinemas, casas de espetáculo,lojas, shopping, etc. Essa frase: PROIBIDO ENTRAR SEM MASCARA, talvez livrasse o mundo desse sufoco.Sem tanto sacrifício e prejuízo.
    Adoro a maneira descontraída e origina com que vc interage com seu publico Vc é muito criativo e talentoso!
    Pense em levar adiante a minha ideia do uso obrigatório da máscara para se sair à rua.
    Parabéns pelo Blog, por suas lives, pelo seu estilo literário e pela naturalidade com que aborda qualquer assunto.
    Sou escritora e poeta (5 livros publicados), tradutora (quase 100 livros traduzidos do inglês para o português pelas Editoras mais conhecidas do Brasil: Record, Leya, Martin Claret, etc. E ainda escrevo até hoje!
    ♥️♥️♥️♥️♥️♥️♥️♥️

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  2. Fênix da Morte é uma expressão bonita demais para ser aplicada à coisa (coiso) mais feia já surgida neste país

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  3. Foi o que pensei, se a imprensa não mostrasse os rolesinhos, as saídas do pavão perderiam o sentido.
    Isso o alimenta.

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