"O que iremos testemunhar agora no horizonte sempre sombrio de nosso necrojornalismo é um movimento de calmaria, atravessado pela ferida da 'perda' do filho pródigo - porque esta imprensa venal e oportunista também perdeu o seu juiz favorito, outrora confortavelmente instalado nas fendas do poder"
O risco como sempre é o nosso necrojornalismo. Ele tem a tendência estrutural irresistível de fomentar a manutenção de governos de extrema-direita.
Hoje, eles já ameaçam 'esquecer' a demissão de Moro para voltar a dar sustentação ao governo Bolsonaro.
Era esperado, sem dúvida.
Mas, volto a lembrar: o cenário, desta vez, é levemente diferente.
A saída de Sergio Moro desobriga a Rede Globo na arte de fomentar a manutenção da tutela por Bolsonaro.
Moro é o princípio de tudo. Como diz Lula, não é Moro que é filho de Bolsonaro, mas Bolsonaro que é filho de Moro.
E a perda do 'pai' costuma causar danos, ainda que seja o destino mais previsível de toda a nossa experiência simbólica - que também é política.
Bolsonaro está órfão.
Por outro lado, os militares já o rejeitaram uma vez e não terão problemas em rejeitar outra.
O discurso já está até pronto: 'a gente tentou protegê-lo, mas ele não seguiu nossas orientações'.
O que iremos testemunhar agora no horizonte sempre sombrio de nosso necrojornalismo é um movimento de calmaria, atravessado pela ferida da 'perda' do filho pródigo - porque esta imprensa venal e oportunista também perdeu o seu juiz favorito, outrora confortavelmente instalado nas fendas do poder.
Globo, a mãe de Sergio Moro - e portanto, avó de Bolsonaro (desculpem, não resisti) -, terá de proteger seu rebento mimado, agora que ele perdeu a cobertura estatal.
E, para proteger Moro, ela terá obrigatoriamente de atacar Bolsonaro.
É um dilema. A pobre emissora está na posição desagradável de mais uma vez ter de tomar o protagonismo dos rumos políticos do país.
Não sejamos hipócritas: impeachment, neste país, só acontece com a autorização editorial expressa da Rede Globo.
Estamos, pois, diante de um cenário ainda bastante complexo, mas com dois elementos de distensão: a saída de Moro liberou a Globo para agir novamente.
Moro libertou a Globo.
Resta combinar com os russos, na roleta-russa de seis balas que é o Brasil pandêmico.
Tudo, a rigor, desmorona: acordo Boeing-Embraer, projeto neoliberal de Guedes, expectativa de retomada econômica, discurso anticorrupção, privatização da Petrobras e sintagmas afins.
O Brasil é um território de guerra devastado, destruído pela Lava Jato e pelo necrojornalismo.
O sistema - que 'pensa' e 'opera' acima do impressionismo editorial das mídias corporativas - vai 'buscar' a reorganização diante desta catástrofe.
A decisão editorial da Globo em derrubar Bolsonaro, portanto, também não é oriunda de um 'livre-arbítrio editorial' forjado em reuniões de executivos com os filhos de Roberto Marinho.
Todos eles trafegam tão à deriva quanto os próprios pais e o empresariado subdesenvolvido brasileiro.
Em português corrente: a decisão de derrubar Bolsonaro será 'sistêmica', não subjetiva.
E esse cenário já apareceu, com o golpe de misericórdia de Moro, o pai - também sistêmico - da destruição generalizada do país.
Portanto, haverá duas pressões em curso: a tendência à 'normalização', calcada em pressupostos tão erráticos quanto temerários dos 'gênios' da comunicação política infiltrados na imprensa, e a tendência à 'explosão' (ao fim do ciclo Bolsonaro), regida por forças que extrapolam o desejo e a estratégia.
É a luta pela sobrevivência política desesperada versus a História.
Em tempos de pandemia, em que um vírus dá uma surra diária em nosso paradigma anticivilizatório de turno, não fica muito difícil supor quem logrará êxito.
Sabe caro Conde
ResponderExcluirEstava numa deprê danada, te juro, não nego também que no momento a ausência de lágrimas se deu no momento de ler seu texto. Tem me feito bem, já que a Sertralina acabou a mais de 3 semanas.
Acho que descobri a origem de minha angustura é que estamos no limiar deste desfecho que vai derreter a subjetividade por ti expressada e a depressão encontra seu diagnóstico afinal pelo cansaço que me causou apenas conhecer os resultados das questões "Sistêmicas
Obrigado mesmo Conde
Estevão Soares Scaglione