sábado, 6 de junho de 2020

Carta de solidariedade ou peça jurídica para a defesa?


"Tem vocabulário especifico para se manifestar dor e solidariedade em um texto. Há um rito, um gênero, uma dicção, um tom estabelecido pela história em que não se pede nada em troca, em que não se vitimiza e não se tira proveito de temas adjacentes"

A carta de "desculpas" enviada por Sarí Cortes Real à Mirtes Renata Santana de Souza é orientação de advogados. A carta é protocolar, ensaiada, não pulsa ali uma voz verdadeiramente arrependida, mas um medo de condenação (é para isso que serve a linguística e as teorias contemporâneas de interpretação de texto).
A missivista - pasmem - se defende na carta. E eu pergunto a ela: você manda uma carta para confortar a mãe de um filho que morreu em função de sua negligência e, em vez de confortar e manifestar real dor pela perda trágica da vida de uma criança, você gasta um parágrafo inteiro se defendendo como se estivesse diante de um juiz?
É chocante.
Esse texto deveria compor o conjunto de provas incriminatórias da ré.

Quando se quer manifestar a dor para uma pessoa, MANIFESTA-SE A DOR, não uma gramática semi-correta de quem escreve sob orientação técnica de advogados.
Tem vocabulário especifico para se manifestar dor e solidariedade em um texto. Há um rito, um gênero, uma dicção, um tom estabelecido pela história em que não se pede nada em troca, em que não se vitimiza e não se tira proveito de temas adjacentes.
Dor é dor.
Os advogados de Sarí Cortes Real esqueceram de orientá-la nesse sentido.
Leiam a íntegra da carta
Como mãe, sou absolutamente solidária ao seu sofrimento. Miguel é e sempre será um anjo na sua vida e na sua família. Não há palavras para descrever o sofrimento dessa perda irreparável. Nunca, mas nunca mesmo, pude imaginar que qualquer mal pudesse acontecer a Miguel, muito menos a tragédia que se sucedeu. Te peço perdão. Não tenho o direito de falar em dor, mas esse pesar, ainda que de forma incomparável, me acompanhará também pelo resto da vida. Estou sendo condenada pela opinião pública como historicamente outros foram. As redes sociais potencializam o ódio das pessoas. Tenho certeza que a Justiça esclarecerá a verdade. Na nossa casa sempre sobrou carinho e amor por você, Miguel e Martinha. E assim permanecerá eternamente. Rezo muito para que Deus possa amenizar o seu sofrimento e confortar seu coração.
Sarí Gaspar

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