O mundo passa por seu colapso simbólico mais dramático. A massificação na produção do sentido social via redes digitais precipitou uma hiper reorganização nos processos de significação e interpretação. O impacto dessa ‘remexida’ na linguagem na experiência de ler o mundo é colossal.
Há processos agônicos em curso, como a literalização excessiva do enunciado e seu respectivo contrário: a metaforização exacerbada. Parafraseando Hobsbawm, é a era dos extremos, mas dos extremos linguísticos. Esses extremos permitem a emergência da ideia de pós-verdade, no fundo, mais um simulacro da desorganização semântica que pressiona as interpretações bem comportadas.
O processo de reacomodação histórica da linguagem e da subjetividade é labiríntico. Sua própria leitura técnica é afetada pela dominância de uma linguagem em colapso. O exercício de metalinguagem se torna mais difícil, exige mais ousadia e, ao mesmo tempo, responsabilidade ética.
Essa ‘entropia linguística’ responde, tragicamente, pelo reaparecimento do fascismo e todo o seu aparato de esmagamento do sentido e do humano.
Para se reacomodar em novos parâmetros, a linguagem - em toda a sua complexidade histórica composta por memórias, fragmentos, traumas, narrativas e repetições - acaba por permitir a emergência de seu pesadelo máximo: a aniquilação do sentido via dessubjetivação, na ânsia das polarizações ideológicas (lembrando que a ideologia, nos termos de Althusser, é o que possibilita uma língua pública - ou de uma língua social, permeada por sentidos consolidados no tempo e nas instituições).
O fascismo não quer apenas aniquilar pessoas de carne e osso: quer aniquilar a linguagem, a possibilidade mesma de enunciar, a mera palavra. É falso dizer que o fascismo trava uma disputa narrativa com a civilização. Se houvesse disputa, estaríamos na experiência histórica pré redes sociais, em que o contraditório subsidiava mudanças de visão de mundo e licenciava a existência de um debate.
O momento agora é de esmagamento, de aniquilação do humano em toda a sua estrutura mais delicada e sutil: a própria linguagem.
Este momento, no entanto, é um corolário da reorganização massiva de toda a nossa atividade linguageira, que se projeta nos dispositivos eletrônicos e retorna para nossas práticas de subjetivação. O celular, o WhatsApp, o Twitter e todo o processo de enunciação que ali se desenrola de maneira coletiva fazem parte da nova economia psíquica imposta pelas contingências históricas.
Nesse contexto, o gesto ficcional se estilhaça e se fortalece, com um infinito ainda mais amplo - sic - do que aquele postulado pelas narrativas ‘individualizantes’ do passado recente. A possibilidade do romance coletivo (escrito a milhares de mãos), da combustão narrativa digital, da ressignificação dos processos de autoria (tão frágil e tão recente) passa cumprir o novo desafio de modalizar uma linguagem em colapso.
As buscas românticas por aceitação intelectual, pelo sonho joyceano de se tornar um autor espetacular e pela inocência de pertencer ao cânone para poder ostentar sorrisos inteligentes na cambaleante cobertura cultural deste tempo que se vai caem por terra diante de missão muito mais interessante que é a experiência de dialogar com a coletividade narrativa pulsante e com a linguagem em processo pleno de redescoberta.
A catástrofe da realidade presente transcrita com requintes de crueldade técnica (leia-se precariedade técnica ou acanhamento técnico) pelos escribas do relato que habitam este tempo de trevas está prestes a dar lugar a uma nova safra de leituras do mundo e do humano (e da própria linguagem).
Não consigo ver cenário mais vibrante.
Texto originalmente publicado na revista Opiniães, publicação dos alunos de Literatura Brasileira da Usp.
A revista pode ser baixada gratuitamente aqui.
Parabéns Conde por esse excelente artigo.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPrecisamos derrubar paradigmas antigos através de um estreitar entre a condição de ser civil e o livre pensar.
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