Eu recebo tanta mensagem de gente querendo me ajudar, gente preocupada com minha saúde, com minha estrutura material, minha alimentação, com a qualidade do som das minhas lives musicais, com o financiamento do meu trabalho, enfim, é tanto carinho que eu realmente fico emocionado - eu sou um chorão incorrigível - e extraio dessa intensidade a força para seguir em frente, muitas vezes errando no tom, no ímpeto, na crítica, mas sem medo de errar.
Aliás, é em função do ‘erro’ - ou da verdade escancarada (minha saúde combalida, meu equipamento modesto, minha ‘precarização’ material) - que essas mensagens de carinho são disparadas em minha direção de maneira espontânea e afetuosa.
As pessoas simplesmente descobrem meu contato e me oferecem todo o tipo de ajuda, desde uma singela dica técnica até o mero colocar-se à disposição para ‘o que eu vier a precisar’.
Muitos pedem o número da minha conta para contribuírem com meu trabalho - já que opto por não publicizar esse tipo de informação - e me dão broncas por eu não monetizar meu canal no Youtube.
Acreditem se quiser: há muitas mensagens na minha caixa de emails esperando o número da minha conta até hoje. Como não paro de trabalhar, às vezes, deixo para responder depois e acabo não respondendo - indelicadeza pela qual já aproveito para me desculpar.
Loucura? Não. É apenas o Conde. O Conde é ingênuo, teimoso e franciscano.
Posso até explicar, no conceito.
Eu acho uma irresponsabilidade muito grande manter um fórum público de discussão e apelar para o emocional das pessoas em troca de ‘financiamento’. Mercantiliza demais. Transforma o discurso - o sentido - em subproduto. Passa-se a tutelar esse público e a se dizer coisas automáticas para agradá-lo, pura e simplesmente (em troca de ‘contribuições’).
E como eu mantenho meu trabalho, já que não sou herdeiro nem tenho ‘posses’?
Eu até tenho um emprego, é verdade. Mas é preciso dizer que, pela insistência de vocês, eu acabei me tornando um ‘baita desgraçado’ sortudo e financiado. Pela teimosia de alguns de vocês, as minhas angústias materiais começaram a ser supridas sem que eu jamais tivesse feito um pedido público em qualquer um de meus suportes digitais.
Parte da natureza do meu trabalho é essa: não fulanizar o instituto do financiamento coletivo com base no ‘darwinismo digital’, na sanha desvairada por monetização, caso contrário, todo o conjunto de sentidos e argumentações nas ações públicas de reformulação do discurso e de subjetividades cairia por terra.
É conceitual, mas também é prático.
A remuneração por conteúdos que ‘acenem’ para a democracia deveria ser assim: espontânea, direta, afetiva, insistente, quase à revelia. Posso garantir que, nesses termos, ela é muito mais forte do que em quaisquer outros.
A escravização é um passivo doloroso. Mas a autoescravização é ainda mais invasiva. Clamar por democracia, por uma sociedade mais justa e explorar a emocionalidade das pessoas para financiar esse ‘clamor’ é, a rigor, o bom e velho mergulho no precipício que acaba por destruir a própria democracia.
É por essas e outras que admiro tanto o MST. Eles ‘produzem’, não ‘pedem’. São pagos e ‘financiados’ pelo trabalho, não por ‘doações’ - aliás, eles é que fazem ‘doações’.
Blefes, sorrisos, narrativas comoventes, ostensividades a tiracolo, toda essa família de gestos que permeia alguns provedores de conteúdo, afinal, faz parte do jogo. Cada um se canibaliza como quer e como pode.
Mas o que eu quero, aqui, a rigor, é compartilhar impressões, não criticar a cadeia de equívocos que grassa na clientelização confortável das dissimulações ‘pró-democracia’.
Para ser direto: eu tenho muito orgulho do coletivo criado em torno do meu trabalho nas redes. É um coletivo sério, inteligente, que também não gosta de tutela, de facilitações nem de dissimulação.
Um público desses jamais vai atender a chamados primitivos por ‘captação de recursos’, por exemplo. Um público inteligente desses vai lidar com essa dimensão material na esfera do afeto, das possibilidades e da elegância - porque, vamos combinar que sem elegância, não dá.
É por isso que minhas decisões pessoais e profissionais nesses últimos anos não são minhas: são ‘nossas’ (o nome disso é ‘coletivo’). E o respeito que tenho por este coletivo me protege na tomada de decisões relacionadas à minha vida profissional.
É por isso também que as últimas decisões que tomei sempre tiveram como consequência um salto de qualidade, tanto na vida quanto no trabalho. Foram, por assim dizer, decisões ‘certas’: quando se toma uma decisão com base real no coletivo - e não na conta bancária - o mundo se abre para você com singular e surpreendente luminosidade.
Esse é o ensinamento de Lula, aliás. Depois que Lula ‘entrou’ na minha vida (ou eu na dele, não sei), pouca coisa ou quase nada deu ‘errado’ para mim. Quando estamos de posse da nossa existência, quando tomamos posse do nosso discurso, quando reconectamos o nosso sentido à nossa estrutura, não há espaço semântico ou existencial para o ‘erro’.
É claro que estou dizendo isso para vocês porque, dentre outras coisas, estou prestes a tomar uma decisão importante, que vai mudar o regime do meu trabalho.
Faltou dizer duas coisas, nesta mensagem de agradecimento e celebração - clivada por um certo ‘fígado’ que não me deixa: uma delas é a monetização do meu canal.
Como disse, sou teimoso. E pode não parecer, mas eu também - às vezes - tento ser inteligente. E aceitar a engrenagem pré-fabricada do Youtube para captação, pura e simplesmente, me parece pouco inteligente. É, de uma certa maneira, ser tutelado. No fundo, não passa de uma marca: “o meu canal é monetizado e eu sou importante”.
A questão filosófica, caras pálidas - e para resumir - é que o valor do trabalho compreende muito mais sutilezas que a dimensão monetária. Foi com base nessa premissa que as gigantes da comunicação (Google e Facebook) ‘burlaram’ a ‘lógica’ e se estabeleceram na história - e percebe-se que ninguém aprendeu nada.
Em suma: o maior valor existente no mundo é a própria rede de pessoas e não o dinheiro dessas pessoas. A valoração rudimentar (monetária) desta agregação é meramente uma consequência (mas é preciso ter imaginação para gerá-la, lamento dizer).
Portanto, colocar minha cabeça nisso (a monetização) nesses termos tão precoces, só me diminuiria, como diminui muita gente "esperta". É óbvio que cedo ou tarde, eu poderei “monetizar” o meu canal, mas aí, nos “meus” termos, não nos “deles”.
A outra questão tem a ver com a semântica de ‘erros’ e ‘acertos’.
Como eu disse, depois de um certo estágio, não há mais espaço para decisões erradas na vida: todas passam a ser ‘certas’. Não no sentido rudimentar de ‘certo’, mas no sentido ‘estrutural’.
Não ter medo de errar é ‘certo’. Ter medo de acertar é ‘errado’.
São essas as sutilezas da complexidade infinita - e pouco explorada - que permeiam a construção do sentido na linguagem humana. São muitas dimensões em jogo: a história, o contexto, o sujeito, os desdobramentos deste sujeito, a gramática, as vicissitudes do enunciado.
A covardia discursiva (o medo de significar uma palavra de acordo com a rede de padrões e valores que te estruturam) é a mais tóxica de todas. Não se pode ter medo de ‘brincar’ com o sentido.
É por isso que as crianças são muito mais competentes cognitivamente do que os ‘adultos’. É por isso que me permito ser criança - e levemente irresponsável - na sequência de leituras, escutas e trabalhos. É por isso que sempre vejo uma criança nos maiores enunciadores de nosso tempo, como Lula, Mujica e Paulo Freire.
Não existe, portanto, caminho ‘pessoal’, mas sim, caminho ‘coletivo’.
É nessa dimensão que me fio para traçar as linhas tortas da minha conduta e dos frágeis significados que me atravessam.
Os tempos são muito difíceis, os mais difíceis da história.
Será preciso muito poder de significação para atravessá-los.
Não vou rifar essa responsabilidade. Não com vocês por perto.
Esse é o recado.
Lindo texto..a monetização torna os trabalhos menos valorosos.
ResponderExcluirVocê é ímpar e plural, Conde!!!
ResponderExcluirSeu livro...estou esperando.
ResponderExcluirSeu livro estou esperando.
ResponderExcluirTamos juntos, cara pálida! Retomar o POCKET PELO BRASIL e outros afetos coletivos!
ResponderExcluirAutonomia admirável!
ResponderExcluirTexto impecável, impactante e revolucionário!
ResponderExcluirParabéns Gustavo Conde 👏👏👏👏👏
Já que você não dá o braço a torcer. Que tal, só passar sua conta e quem puder e quiser fazer uma doação,o fará do fundo do coração 💖🕊️🌟🎼🎁,por livre e espontânea vontade. Iremos todos casar com você 😍,sem promessas. Tenho Lua* 🌝 em Aquário* e fico indignada com Injustiças de 😔😪!*De acordo com a Astrologia*ter Lua 🌝 em Aquário é nascer Revolucionário...
ResponderExcluirConde adorei o textão e gosto muito de sua lives e do barulho infernal q vc faz para acordar o povo adormecido por essas "mídias de cativeiro dos infernos" Bjos e muitos coraçõezinhos pra vc❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤
ResponderExcluirConde, querido. Você não é desse mundo! Quem vai aumentar minha adrenalina e me fazer dormir em seguida.
ResponderExcluirChega de narcisismo. O queridísimo é você.❤❤❤❤❤❤
Maravilhoso.❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤
ResponderExcluirPor isso você é tão valoroso. E querido!!
ResponderExcluirUm raio de esperança, para a Ética, no Brasil! Obrigada!
ResponderExcluirUm raio de esperança, para a Ética, no Brasil! Obrigada!
ResponderExcluirCada vez que ouço você e leio seus textos me identifico mais e reconheço como você tem sido importante prá o coletivo! Gratidão! Tamo junto!
ResponderExcluir❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤
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