domingo, 15 de novembro de 2020

Esquerda será colocada à prova com segundos turnos dolorosos, por Gustavo Conde

Foto: Mídia Ninja

Haverá surpresas nas eleições de hoje. Como ficou claro nos EUA, a metodologia das pesquisas de opinião está defasada. Não acompanhou as mudanças estruturais da comunicação digital e acusa uma defasagem na atualização dos dados socioeconômicos. Em tempos de Temer e Bolsonaro, as cidades empobreceram muito rapidamente e as subdivisões sociais perderam parte da validade. 

Some-se a isso o aparelhamento dos órgãos de pesquisa sob o comando federal, como o IBGE. É evidente que os profissionais competentes do IBGE seguem na luta contra a truculência do governo federal, mas essa luta e assimétrica. 

Outro ponto: abstenção. Ninguém projetou ou sabe projetar o percentual de comparecimento às urnas, sobretudo nas faixas-etárias que correspondem aos grupos de risco. A segunda onda da covid vem com força em um país que fez tudo errado do começo ao fim no combate à pandemia e que só não viu uma catástrofe em massa ainda maior em função do SUS. 

Há ainda as milícias - cada vez mais fortes - e as fake news propagadas pelo WhatsApp. Não se pode esquecer também o jogo baixo de alguns candidatos em pagar direcionamentos criminosos nos mecanismos de busca do Google fustigando candidaturas concorrentes que disputam o mesmo nicho eleitoral. 

Mas o resultado deste protocolo canalha, as pesquisas já captaram, sobretudo na cidade de São Paulo.  

Em tempo: se houvesse justiça eleitoral no país, essa candidatura supracitada - que todo mundo sabe qual é - teria de ser devidamente impugnada. 

Mas, estamos no Brasil. 

Dito isso - e apesar disso -, algumas pesquisas podem fatalmente se confirmar. E, a se confirmar, teremos uma mudança brusca no tabuleiro político. 

Se o Psol ganhar em algumas cidades importantes, terá de governar. Será beneficiado pela imprensa convencional, que segue firme em seus ataques ao PT - e que, por isso, irá proteger o Psol -, e pelas mídias alternativas, já meio cansadas de defender o legado do PT. 

O Psol, a rigor, já se transformou no novo “partido dos intelectuais”. 

Esse coquetel conjuntural tenderá a descaracterizar de vez aquilo que já está meio descaracterizado no Psol: sua intransigência e combatividade. 

É natural. Isso aconteceu com o PT, ainda que em outras proporções e dentro de um processo bem diferente. 

O PT, mesmo tendo uma perfomance melhor que em 2016 será taxado de derrotado. O melodrama em torno de um possível apoio a Boulos poderá implodir a energia social gigantesca reacumulada com a prisão política de Lula. O Psol sempre quis essa energia para si e - me parece - vai acabar conseguindo. 

Haverá muitas feridas abertas em um possível apoio a Boulos. E será uma faca de dois gumes: se o PT apoiar Boulos, a imprensa vai começar a atacar ferozmente a candidatura Boulos e, consequentemente, Covas estará eleito. 

Por outro lado, a possibilidade de o Psol não querer o apoio do PT - pelas razões acima descritas - não é pequena. Boulos é uma coisa. O Psol, outra, completamente diferente. 

É cenário proibido para cardíacos. O tabuleiro político está prestes a dar um cavalo-de-pau.

As vitórias do PT em outras capitais importantes, como Recife e Fortaleza, poderiam arrefecer o ímpeto do enquadramento da derrota. Lembremos que o PT é bom de eleições e é bom de segundo turno. 

Também é bom lembrar que o ódio histérico - sic - ao PT materializado no Psol lavajatista de 2013, nas ofensas de Ciro Gomes e na habitual canalhice da nossa direita, também arrefeceu (basta dizer que parte do Psol até apoiou - pasmem - a campanha Lula Livre). 

Manter o PT vivo, por incrível que pareça, também faz parte do cardápio megalomaníaco das nossas redações: como continuar atacando o PT, se ele estiver tão enfraquecido? 

Como diria a já surrada frase de Tom Jobim, "o Brasil não é para amadores". 

Noutra ponta deste iceberg cenográfico prestes a eclodir, estará a estratégia da imprensa em significar a vitória sobre Bolsonaro nessas eleições municipais como uma vitória do centro político. Isso prepara o terreno para Luciano Huck e João Doria em 2022. 

Se a esquerda ficar assistindo esse protocolo de construção narrativa, lamento dizer, ela será atropelada.  

O candidato anti-Bolsonaro está sendo construído com muito investimento técnico, digital e editorial neste momento. É a sequência lógica do golpe: arranca-se o PT, devasta-se o país e abre-se espaço para um salvador da pátria neoliberal, bem nascido, de discurso vazio e bem comportado, representação sedutora para um eleitor cansado de tentar raciocinar diante de tanto ódio e incompetência. 

O Brasil é grande e complexo e o nosso maior partido real de oposição, o PT, também. Tudo pode acontecer, inclusive nada. 

Mas o cenário político está em ebulição nesse momento em que se constrói o cenário pós-Bolsonaro. 

Sem investimento em ciência (da linguagem), sem atenção para as redes sociais, sem a coragem de romper com as burocracias internas já gastas - com uma estrutura partidária que clama por renovação conceitual -, sem a combatividade habitual de ir para cima dos detratores que disputam o mesmo espaço político, o PT pode, de fato, abrir uma temporada de enfraquecimento. 

Eu não acredito muito nisso, porque o PT sabe se reinventar. Está no seu DNA essa capacidade de adaptação. 

Mas há peças que estão espanando, sobretudo aquelas que controlam a burocracia do partido. É um choque geracional. Diante do medo de perder poder e da constatação óbvia de que redes sociais são um departamento impermeável para certos vícios históricos, o PT segue depositando todas as suas fichas na genialidade e na simbologia agregadora de Lula. 

O recado é: até essa dimensão épica de Lula já está sendo disputada por outras legendas. Seria bom abrir os olhos. 

2 comentários:

  1. Aprendizado com um passado repetitivo. Amarrar o povo em partidos ou que nome que deem: esquerda, direito, centro, em cima, em baixo, norte, Sul e o politicamente correto no século em que se repetem todas as crueldades anteriores e a consciência de classe amplia. Será este o presente?

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  2. Há ‘estrelas’ que teimam em ofuscar outras. Há espaço para todos. E o Lula, com sua simplicidade e ternura, ilumina a todos, sem distinção!
    Adoro reler seus artigos, Conde!

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