quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Ladrão de palavras, Huck adota Bannon e imita Lula



O fracasso monumental e vexatório de Bolsonaro fez o favor de antecipar a disputa eleitoral em praticamente 4 anos, o tempo do mandato. Um feito inédito. Talvez, trate-se mesmo do maior fracasso político da história das semidemocracias.

Um candidato inapto para o debate venceu uma eleição com o apoio do jornalismo de cativeiro e com uma indústria de fake news muito bem conduzida por seu filho, alimentada por dinheiro de empresários "patriotas".

Tudo isso a gente já está cansado de saber.

Testemunhar a agonia desse monstro é que é o desafio agora. Haja estômago para ver o que já é podre apodrecer.

Mas há sutilezas.

Do meio dessa podridão, emergem novas agentes políticos oportunistas, investidos de uma porção desproporcional de vaidade, ambição e muita maquiagem para disfarçar a falta de ideias.

Falo de Luciano Huck.

O apresentador de televisão – essa geringonça que ainda entulha as salas das pessoas – desfila seu imenso vazio interior já há alguns anos nas claques adocicadas do nosso empresariado subdesenvolvido.

Para Huck, a política é um grande programa de auditório. Quando o apresentador explora a miséria humana em seus programas ele nos dá a perfeita metáfora do que significa um governo de extrema-direita populista: a exploração da pobreza gira a engrenagem do medo social, atiça as pulsões de vingança e medo e, acima de tudo, dá audiência.

A disfunção libidinal desses garotos de proveta, criados em cativeiro, torna incomensurável para eles a compreensão de democracia e, sobretudo, a capacidade de codificar enunciados complexos na cena do debate público real.

É até comovente: na incapacidade de produzir um discurso original digno de atenção, Luciano Huck jogou a toalha e adotou a tática de comunicação de Steve Bannon: diga que é contra o sistema (contra “isso que aí está”), negue a política e se aproprie do discurso do seu adversário – para, acima de tudo, “neutralizá-lo”.

É uma engenharia comunicacional sutil e ainda inexplorada por especialistas em linguagem.

A conjuntura histórica, no entanto, impede que Huck considere Bolsonaro um adversário. Bolsonaro, por sua vez, também fez uso da “tática Bannon”, ostentando um discurso artificial e “poroso”, sem conteúdo, sem proposta, apenas gerado para produzir efeitos “virais” e manter a chama da audiência acesa.

Diante deste cenário, o que sobrou para o apresentador? Ir direto à fonte do sentido, a saber, a fonte do mais profundo e consistente sentido político da história do país: Lula.

Huck se tornou um emulador de Lula. E o que é um “emulador”?

Emular é basicamente imitar. Mas é também mais que isso: é imitar para tirar proveito desta imitação. É pôr em ação cifras de sentido como “rivalidade”, “inveja” e “covardia”. Emular tem um sentido muito próximo de ‘plagiar’, mas, no caso de Huck, é moralmente pior.

A série de enunciados idênticos aos de Lula que Huck proferiu a uma plateia de executivos chega a chocar. Ele disse: "eu não convivo bem com a polarização. Eu não sou um cara do grito, de falar alto. Eu não enxergo as pessoas que pensam diferente de mim como inimigos”. Cada letra e cada palavra são o eixo central do que Lula vem dizendo há mais de 30 anos e, sobretudo, agora, que o país está em meio a uma catástrofe gerencial.

São fragmentos milimetricamente pinçados das falas recentes de Lula com todas as evidências de fraude e apropriação indevida. O plágio tem um método. Troca-se apenas algumas palavras, inverte-se a posição gramatical, desliza-se em algumas metáforas, mas o conteúdo permanece intacto, até porque o sentido dos enunciados depende de seu contexto de emergência. A chave política com vistas à redenção do país está posta como cenário para este processo de emulação explícita.

Huck tem uma vaidade rudimentar e indisfarçável: quer desesperadamente ser herói (síndrome de Sergio Moro) e busca, dentro de seu vazio ensurdecedor, o conteúdo do outro, aquele outro que lateja na memória do país como o maior líder político da história.

Qual coach não iria querer esse discurso para seu cliente?  

O processo de emulação foi sofisticado. Huck explorou narrativas “pessoais” como as de Lula, desfiou histórias de pessoas que conheceu ao viajar o país para gravações do programa "Caldeirão do Huck" e cobrou, com indignação artificial e controlada, soluções para a desigualdade ("É decorrente da cultura escravocrata"), a miséria ("Lá [no norte de Minas] é fome, fome mesmo") e as favelas ("Viraram parte da paisagem, e não podem ser")."

Huck adentra o território da esquerda (rouba o discurso que ele próprio combate), ao mencionar as palavras “escravocrata”, “fome” e o sintagma “parte da paisagem”.

Para quem não sabe, as palavras carregam cifras ideológicas e se organizam aglutinando-se a certos segmentos da sociedade. Em “língua de gente”, seria dizer: “as palavras têm dono”. Em língua técnica seria dizer: “certas palavras fazem parte da identidade de conjuntos específicos de enunciadores”.

Claro que isso não significa que palavras serão “proibidas” para certos sujeitos. Muitas são, de fato (alguém já viu Bolsonaro dizer ‘escravocrata’?). Mas, se se quiser usar palavras e enunciados de seu adversário político e dentro de um debate público honesto, é preciso “trazê-las” para dentro de um novo campo semântico e, assim, “reapresentar” seus sentidos.

É essa sutileza que foi captada por Steve Bannon. O “roubo” de palavras, sentidos e enunciados de seu adversário ideológico, neutraliza a eficácia dessas palavras, sentidos e enunciados quando usados por esse adversário. É uma espécie de vírus linguístico que “contamina” o discurso do “outro”. É uma tática de guerra, mas uma guerra imoral e ilegal, como as intervenções dos EUA no Iraque e Afeganistão, por exemplo.

Huck quer o lugar de Lula no imaginário do eleitor e para isso não poupará esforços no circuito da comunicação de guerra suja, até porque no mundo do jornalismo, ninguém será capaz de lhe apontar o dedo e lhe acusar de plágio, uma vez que ele representa os interesses da elite que comanda esses meios de comunicação.

É escandaloso esse processo de apropriação indevida de um discurso tão estabelecido como o de Lula. Huck não fez questão de esconder sua pusilanimidade: “a gente não acha que a gente vai discutir redução de desigualdade ou solução para a favela no Brasil com um monte de gente branca, rica, sentada numa mesa na Faria Lima."

Ele foi capaz de usar até a referência geográfica tradicionalmente usada por Lula em suas observações sobre a desigualdade social, a Avenida “Faria Lima”, reduto de milionários. O apresentador foi “bem” orientado (deve ter custado uma “nota” o serviço de assessoria de comunicação).

Incansável emulador, Huck imitou Lula mais uma vez: "se a gente não fizer nada, este país vai implodir”. E sensualizou com indelével demagogia, mesclando sua vulgaridade intrínseca com o enunciado roubado: "o abismo social é gigantesco, a desigualdade social é gritante. É inaceitável. Estou falando do fundo do meu coração."

O funcionário da Globo ainda explorou a política dos afetos de Lula, mas aí sem o ensaio necessário a todo e qualquer impostor (a qualidade da emulação caiu). Huck quis ativar a comoção que gira em torno da prisão política do ex-presidente, buscando se ancorar – cinicamente – na palavra “cidadão”: "eu quero ser um cidadão cada vez mais ativo, eu quero contribuir como for possível para que o Brasil seja um país mais eficiente e mais afetivo."

Esse movimento de Luciano Huck, com viés escandalosamente eleitoral, antecipa duas derrocadas retumbantes: Lava Jato e Bolsonaro. A assessoria do apresentador enxergou que o discurso antipetista não terá mais os mesmos efeitos que teve em 2018. O fenômeno da hashtag #VoltaPT, que viralizou no mundo inteiro, pode ter sido um dos sinais de alerta para sua equipe de marketing, certamente.

E aí, é preciso agir rápido.

Huck enxerga a chance de se apropriar da estrutura semântica central do discurso histórico de Lula, na forma, no conteúdo e no tom, para ganhar alguma “profundidade” na cena conflagrada da política brasileira - ainda que seu gestual e artificialidade sejam um empecilho semiótico para consagrar essa intenção velada.

Mas é bom não subestimar o péssimo nível de nossa leitura crítica diante de tubos de ensaio eleitorais. Como disse recentemente Glenn Greenwald diante do túmulo do jornalismo, o programa Roda Viva: “se Bolsonaro foi eleito presidente, qualquer um pode ser”.  





8 comentários:

  1. Adorei. Leitura perfeita.Belissima dissecação.

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  2. Pois é Cond. Emular "lata velha" .Oportunismo como caridade .Transformar carro velho ao inves de promover consciência de classe .Caridade dele é bom pro ego ;justiça social ; ameaça . E ao conerciais .Opa , melhor as eleições .O "crivel Hulck.

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  3. "Pois é Conde .Emular "lata velha " Oportunismo sem para choque .Caridade dele faz bem pro ego ; distribuição de renda; ameaça .E aos comerciais .Opa !! Melhor;as eleições .O"crivel Hulck "."Pois é"

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  4. Tentar emular aquele carro querido , antigo o xodó da família .Não dá .Querer imitar e tirar proveito de lula e reformar "a lata velha " e deixar com cara de bolo de casamento dá indigestão .Não cola ."Crível Hulck ". Deixa nosso querido Lula ,sabemos oque é afeto e nunca nos deixa na mão."Pois é ."Ninguem quer caridade , sabemos dirigir nosso volante é que esta guardado ( Lula ) .Faz o seguinte "Crivel Hulck" chama os comerciais.E anote no para-choque :Caridade é bom pro ego ; justiça social é ameaça ."Pois é".

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  5. Parabéns!

    Seus comentários são bastante lúcidos e pertinentes. Infelizmente poucos compreendem a profundidade.
    Gostei muito do último texto publicado no GGN: CANIBALISMO DOS SENTIDOS.
    Sou escritor fora do padrão. Resido em Paulista, PE.
    Gostaria de falar com você sobre o TEOREMA MATEMÁTICO SÓCIO-POLÍTICO, criado por mim. Presumo que pode ser a base de uma renovação social. Veja abaixo:

    P
    (Símbolo delta minúsculo) = -----
    2 + 1

    Caso se interesse entre em contato pelo e-mail: osmaneves@gmail.com

    Osman Neves de Albuquerque
    14/01/2020


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