Continue!, por Luiz Fernando Carvalho

Um dos momentos mais intensos de 2020 foi conhecer o diretor Luiz Fernando Carvalho. Luiz Fernando é uma força da natureza. Insubmisso, doce, radicalmente íntegro. Alguém cuja visão do que seja o cinema extrapola classificações (ele as repele como a um inseto).

Apenas para dizer que recebi dele uma pequena missiva de alta densidade - cuja integralidade compartilho com vocês.

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Continue!

Foi esta a dica que Dom Casmurro, ao acordar do enfado do mundo, proferiu ao jovem poeta parnasiano sentado ao seu lado no trem: continue!

Continuar é sempre importante. Ato sagrado. Continuarmos a enxergar a esperança mais perto que distante, continuar todas as manhãs para aqueles que jogam suas redes ao mar, para aquele jovem que estuda, aquela professora que ensina, continuar a conduzir o trem para os maquinistas.

E assim, não importando a maré, aquele homem sereno do mar, chamando pelo seu peixe do dia a dia, paciente e ereto, a canoa dançando sob seus pés a cantiga das ondas, traça sua continuação nos ensinando que tudo continua tudo naquele seu falar com os ventos.

Tudo continua tudo, mesmo para aquele seu peixe que lutará pela vida sem saber que sua existência molhada vai enfim secar para que tome conta da fome de uma criança, mulher ou homem.

Tudo é continuação.

Seja na terra, nas ondas do mar ou no mais alto ar.

Mesmo quando chegarmos ao nosso dia de peixe, continuaremos sendo.

Mas sendo o quê?

Se o maior voo do espírito humano é mesmo desejar ser, então sejamos a continuação que se desdobra em mais vida, agradecendo àqueles que continuaram antes de nós.

É doce a correnteza da vida contra a morte. É doce a alegria que atravessa as noites neste imenso mar escuro. É infinita a força daqueles que teimam em navegar, se ofertando ao amanhecer dos bons ventos de um mundo melhor sem pedir nada em troca ao mar.