sábado, 18 de abril de 2020

Em vez da luta, o fetiche


"Nós, 'antifascistas', estamos afiançando o nosso discurso em um ideal de civilização - em vez de buscar um ideal de comunicação"

Os dizeres "fora Bolsonaro" em máscara de proteção é o emblema do nosso tempo: em vez da luta, o fetiche.
É um tipo de ostentação como qualquer outro. Uma roupa, uma bolsa, um óculos.
"Vejam como eu sou inteligente e sou 'fora Bolsonaro'"
Horror.
Faz parte? Faz parte.
Mas 'fazer parte' ultimamente é insuficiente.

"Deixa o povo brincar!"
Deixo.
Mas dá preguiça.
"Não vai ter golpe", "Ele não", "Impeachment de Bolsonaro", todos esses slogans da 'esquerda digital' tiveram sérios problemas de "aderência real".
Serviram muito ao adversário. Foram defensivos, inocentes, zero malandragem.
A razão desse fracasso é relativamente simples: nós, 'antifascistas', estamos afiançando o nosso discurso em um ideal de civilização - em vez de buscar um ideal de comunicação.
A confissão desse protocolo, inclusive, é enunciada sem maiores problemas: muitos dizem que não "sujarão suas mãos" para enfrentar o terror bolsonarista.
E assim, seguimos em frente, de mãos limpas e derrotados.
É preciso mentir? Não. É preciso matar? Também não.
É preciso ter uma relação menos ingênua com a linguagem.
O resultado dessa relação ingênua é o fetiche.
Aliás, a semiótica desnuda a face mascarada do 'fora Bolsonaro': o slogan 'cala' o sujeito, pois lhe faz as vestes também de 'mordaça', no plano imaginário.
É um 7 a 1 atrás do outro.
Sobre máscaras, semiótica e fetiche, eu fico com uma cena que vi em meio a compras de supermercado: na falta de máscaras, uma mulher improvisou uma calcinha vermelha de renda em seu rosto.
A imagem era de uma sensualidade atroz. Pensei nas burcas, pensei nas bocas e vislumbrei uma espécie de 'lingerie facial'. Encarei-a - se é que é possível usar esse verbo. Me senti um 'voyeur do apocalipse'. Ela me devolveu o olhar, como que entendendo meu fascínio, e seguimos, na frivolidade dos gestos, empunhando os nossos carrinhos de compras.
Subversão é isso.

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