"Que essa tragédia subjetiva nos remeta a uma relação menos ingênua com aquilo que efetivamente nos une: a linguagem."
Essas previsões de que "o vírus deve circular até setembro" são de doer o cérebro.
É Mandetta quem diz, mas é a explicação de muitos 'especialistas' - aliás, que classificação. Quando não se sabe nomear a profissão de alguém, chama-se de 'especialista'.
Eu pergunto: quem sabe isso? Como cair na irresponsabilidade de dizer isso?
Nem na China - que fez os protocolos mais rígidos de controle do vírus - há previsão de 'fim da circulação' do vírus, porque haveria de ter no Brasil, que é o país administrativamente mais incompetente e irresponsável na contenção da epidemia?
A China e os países asiáticos se preparam, na verdade, para a "segunda onda" do vírus, que pode ser tão catastrófica quando a primeira.
As mídias brasileiras noticiam essa previsão governamental sem a menor reação crítica.
Esse é o dilema dessa 'coisa' chamada jornalismo: algum idiota do governo diz alguma besteira e aquilo vira notícia.
É o famoso modo chapa-branca de enunciar. É comum a todos os meios de informação. Pedem o Estado mínimo, mas sacralizam o discurso desse mesmo Estado. Eu perguntaria a eles: se o Estado é tão ruim, porque acreditar na palavra dele?
E já respondo: porque esse Estado que aí está é o não-Estado (é o Mercado).
Se fosse o Alexandre Padilha o ministro da Saúde e dissesse isso em um governo do PT, a notícia seria: "Ministro faz previsão sem base científica e gera a ira da comunidade médica".
Eu não me canso de dizer: só uma relação menos inocente e menos precária com a linguagem será capaz de nos tirar desse limbo cognitivo que serve apenas para promover a manutenção do establishment.
O noticiário acaba por ter uma função fática, não informativa. Lê-se o que ali se escreve para termos a impressão de estarmos juntos, não para entender o que quer que seja.
A solução para isso - para essa descompensação semântica - sempre foi a educação. Mas quando o assunto é língua e linguagem (e metalinguagem), o desafio é maior.
Um ensino de 'português' voltado às gramáticas, ao cânone literário e a seu respectivo revestimento conservador é o assassinato da interpretação de texto. É essa maquininha que habita o cérebro da massa de jornalistas: a relação deles com a língua é de subserviência e bom comportamento, com teses emboloradas - e por isso mesmo inofensivas para o poder - de comunicação.
Eu aguardo ansiosamente por uma relação menos protocolar e automática entre sujeito e linguagem. Se o coronavírus veio para produzir esse fenômeno - uma vez que instaura uma necessidade ética para o jornalismo - que se respeite a dor das perdas de vidas humanas.
Essas vidas estão deixando este mundo sem saber ao certo por quê e sem poder sequer se despedir dos que ficam.
Que essa tragédia subjetiva nos remeta a uma relação menos ingênua com aquilo que efetivamente nos une: a linguagem.
Conde e seu dom de pensar e escrever: nada como um texto que lava a alma, elucidando a importância do jornalismo e de sua ética. Um vírus trazendo morte e resignificação.
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