segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Combater a fome é fazer jus à condição de ser humano - por Gustavo Conde

Imagem: Os Retirantes, Candido Portinari (1944). 


Recebi ontem de Daniel Souza, filho do Betinho, o clipe do Natal Sem Fome. Ele está muito concentrado na campanha e decidido a mobilizar o país. Não há outro caminho para que reumanizemos o mundo, senão o combate à fome. 

 

Reumanizar as pessoas passa obrigatoriamente por combater a fome e a miséria, o patamar básico para que um ser humano possa querer exercer sua cidadania e sua liberdade. 

 

“Para a fome não há vacina”, disse Daniel Souza. É doloroso dizer que o mundo procura a vacina contra a covid mas negligencia o combate à fome porque a fome só atinge os mais pobres - e o vírus, ainda que atinja mais os mais pobres, também atinge os mais ricos.  

 

A luta é, portanto, complexa e acumula passivos classistas. No entanto, é uma oportunidade única para tentarmos promover um empuxo civilizatório em um mundo que amarga retrocessos. A razão é simples: se tivermos sucesso na luta contra a fome, teremos sucesso na reumanização das pessoas. 

 

A luta é a luta em si, mas é também o conjunto de seus corolários e de suas consequências. 

 

800 milhões de pessoas passam fome no mundo. Mas as bilhões de pessoas restantes que não passam fome e que se negam a lutar contra a fome estão passando por outro tipo de grave de privação: uma privação de ordem moral. 

 

Elas carecem do sentimento de humanidade, amargam o “sobrepeso” da indiferença, padecem no egocentrismo do consumo, mergulham na precarização do sentido (não sabem o que significa a palavra ‘fome’ e criminalizam a luta contra a fome). 

 

A luta é contra a fome e contra esse sucateamento do sujeito. São duas faces da mesma moeda, porque a luta contra a pobreza requer consistência técnica, política e filosófica - um ser precarizado intelectualmente não terá condições morais para se engajar na luta contra a fome. 


A luta contra a fome é também a luta pela educação e pela saúde. Mas que não nos enganemos: a fome é a primeira e mais degradante barreira para que o ser humano tenha acesso à sua própria humanidade. 

 

Eis uma singela solução para que o mundo saia da condição desumana em que aportou - após os maus perdedores do século apelarem ao coquetel ‘mentira e violência’ para retornarem a governos predatórios: lutar contra a fome com todas as forças que nos cabem. 

 

Lutar contra a fome é humanizar as redes sociais. Lutar contra a fome é redefinir os parâmetros do debate público. Lutar contra a fome é exercer a humanidade de si para promover a humanidade do outro. 

 

Não foi à toa que o Prêmio Nobel da Paz tenha sido direcionado ao Programa Mundial de Alimentos da ONU. É um recado forte aos povos do mundo: sem vencer a fome, não venceremos mais nenhum desafio social e/ou econômico. 

 

É preciso aprender logo essa lição.

 

6 comentários:

  1. Ler Conde nos leva a revisitar Vidas Secas de G. Ramos, O Quinze de R de Queiroz e tantos registros que retratam o descaso com os menos favorecidos. Excelente artigo!

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  2. É um grande prazer ler e ouvir você. Comentários precisos com uma postura de grande humanidade! Grande abraço!

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  3. Ótimo texto, Conde. Lembro quando trabalhei com meus alunos surdos do INES está pintura de Portinari e o texto de Graciliano Ramos, para abordar sobre a Fome. Eles ficaram tão admirados que há no mundo tantas pessoas sem ter um pedaço de pão para comer. Enquanto, não admitirmos este grande mal que nos consome, a desigualdade social com a miséria gritante, não evoluíremos enquanto ser humano no sentido pleno.

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  4. Conde é muito bom! ❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤❤

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