segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Quem seduz é a mulher. Ainda bem.

Deneuve e as 99 francesas da carta ao Le Monde chamaram a atenção do mundo porque, no fundo, são mulheres defendendo homens. Homens adoram isso (que uma mulher o defenda). É um desdobramento do complexo de Édipo.

A psicologia masculina, vamos combinar, é uma das coisas mais primitivas de que se tem notícia. Homem que é homem nem sabe o que é sexualidade. Podem saber até definir o verbete, mas manifestar e modular a própria sexualidade é algo que me parece distante da realidade masculina, com todo o respeito.

Fico pensando se Lacan sabia lidar com sua própria sexualidade. Construir uma teoria ele soube. Mas e na prática?

O tema é um óbvio tabu. Sexualidade de homem é sinônimo de testosterona. Homem que manifesta alguma complexidade na arte da sexualidade acaba se descolando da significação de "homem".

A sexualidade do homem é um oxímoro. Ela se resume, basicamente, em ereção, penetração, orgasmo e cansaço. Difícil a vida da mulher heterossexual. 

Imaginem o que era a relação sexual heterossexual até meados do século 20? Agora, imaginem como foi o restante do século 20? Feito isso, pensem no século 21. Não sei se mudou muita coisa.

Mas, como? Um homem criticando a postura sexual dos próprios homens? Traidor! É gay! Só pode ser gay!

O assunto me entedia profundamente. Parafraseando Nelson Rodrigues, falar da sexualidade masculina é a pior forma de solidão.

O que mais impressiona, no entanto, nem é ver mulheres defendendo esse desdobramento da sexualidade masculina retrô chamado escrotamente de "galanteio". O que impressiona é ver a massa de textos de homens-machos-brancos-de-meia-idade-colunistas-de-jornal aproveitando a carta do Le Monde para deitar as respectivas histerias brochantes na conta do feminismo.

Demétrio Magnoli, hoje, se supera. Pondé - o de sempre - dispensa comentários. Nelson Motta é quase um caso de criança que ainda não se desvencilhou da fase anal.

Esquerdomachos e direitofêmeas também abundam. A rigor, a velha imprensa só tem gente à beira da autópsia. Nas mídias alternativas, a parada é concorrida. Tem para todos os gostos, ainda que prevaleça a posição mais conectada à realidade dos fatos e da emancipação da mulher.

Mas homem... Francamente. Como diria Tutty Vasques, "ô, raça!". A obtusidade da testosterona é puro retrocesso. Na condição de homem dotado de autocrítica, me solidarizo com a totalidade da população feminina heterossexual ou não que tem que aturar esse arremedo da espécie - porque, afinal, a vida não se resume a sexo, como aliás, pensa a maioria dos gloriosos machos-alfa do alto dos bancos de couro de seus carros sport.

Talvez, a música tenha me salvado dessa condição precária de existência - com toda a sensibilidade física e corporal que ela exige e enseja -, mas acho injusto que eu suponha egoicamente aqui algum tipo de sexualidade "diferenciada": eu sofro da mesma doença de todos os homens. Aliás, seria típico de um homem querer parecer aquilo que não é.

Nós, homens, somos bobagenzinhas infames, sexualmente falando. Sem o falo, a gente perde a função. E vamos admitir: quem sabe seduzir é a mulher. Perto de uma mulher sedutora, um homem é um mero enfeite, um fetiche. Não há comparação entre uma esfinge e um obelisco.

O homem heterossexual reprodutor é um suporte. Querer igualá-lo, ou mesmo nas fantasias mais delirantes, colocá-lo "acima" da mulher é pura masturbação. O mito da costela é projeção reparativa. Nós somos a mulher mal feita, a mulher que não deu certo - sic.

Espanta ver o nível de ignorância masculina que ainda grassa no debate público sobre sexualidade. As mulheres que querem ser maternais com os homens estão apenas querendo ser maternais. Catherine Deneuve é uma mãezona que se ofereceu para proteger os pobres meninos birrentos, assassinos de orgasmos, homicidas do devaneio.

A cultura tradicional masculina chegou a um ponto de colapso: ou o homem se reinventa logo como ser complementar e complementante ou ele rumará para a extinção.

No fim das contas, ponderar sobre a própria condição existencial enquanto macho e ter humildade diante da existência, do corpo e da inteligência de uma mulher, nada mais é - paradoxalmente - do que uma posição cavalheiresca. Nós teríamos que defender, elogiar e amar todas as mulheres, sobretudo as feministas. Não querer domesticá-las.


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