quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

A arte e o caráter do texto

Uma coisa, a gente já deveria ter aprendido faz tempo: arte não tem nada a ver com caráter. Quase todos os grandes artistas têm condutas e teses problemáticas, para dizer o mínimo.

Quando falam sobre sociedade e política, então, sai de baixo. Aparentemente, eles enunciam apenas com os respectivos nomes e isso é fatal. Fãs amam, sempre. E em geral, fica nisso.

Essa é uma das consequências das redes sociais - que eu, particularmente, adoro: a celebridade foi desmascarada enquanto sujeito portador de algum conteúdo intelectual. Salvo raras exceções, são seres vazios, não conseguem formular ideias básicas para  debate público.

A era pré internet os protegia. Produziam espaços de escuta sempre muito favoráveis - as entrevistas sempre foram para "levantar a bola", para "divulgar o trabalho", para preencher vazios existenciais.

Nossa, mas como você é chato! Sou. E dentro dessa chatice, poder-se-ia perguntar: quem, então, enuncia com propriedade para o debate público?


Vou dizer o que gosto de ler nesse atual momento histórico-tecnológico: gente anônima. São os melhores debatedores ever. Sabem redigir, sabem se posicionar e não têm rabo preso com o marketing pessoal.

Uma Catherine Deneuve, uma Danuza Leão, um Luciano Huck, uma Fernanda Torres, um Pedro Bial, um James Cameron, uma Sigourney Weaver, um Bernardo Bertolucci, são praticamente personagens de si mesmos. O mundo é generoso demais com eles para que dali saiam enunciados consequentes.

A rede social estourou tudo isso. E estourou as bolhas acadêmicas e editoriais também. Tudo o que era fácil e de mão beijada antes, com favores, carreirismos e testes do sofá, foi arrastado pelo filtro da coletividade digital. Ela democratizou o direito ao enunciado.

Mas e o ódio, os haters, o conservadorismo, a invasão de privacidade? A pergunta é feita como se no mundo pré internet não existisse nada isso. Um prognóstico, eu faço: são corolários. Representam o desafio do nosso tempo. Culpar a plataforma por isso e nada propor? Fácil.

Isso ainda representa, de quebra, algo muito sutil e que confunde a cabeça dos acadêmicos até hoje: a primazia do texto sobre o autor. Hoje, importa menos o 'quem' do que o 'como' e eu entendo isso como uma evolução.

Claro que a função-autor permanece. Ela não morreu  como um segundo passo a la Roland Barthes. Ela se estilhaçou e migrou para dentro do texto. E isso não empodera ninguém. Empodera as palavras. Empodera o sentido. Empodera a história.

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