sábado, 10 de março de 2018

Daqui do Facebook, por Gustavo Conde

Mais uma vez, repito: sou como a lagartixa. Não tenho o rabo preso nem comigo mesmo. De sorte que prefacio minha própria mini pensata dizendo isso porque sei que sensibilidades contorcer-se-ão na luxúria vacante dos delírios em rede.

Mesóclises à parte, vos assevero: compreender o que é novo exige desapego e uma ou outra gota de liberdade intelectual. O sujeito histórico se amarra, com razão, aos sentidos pré estabelecidos com imensa docilidade. São cães de guarda.

Do ponto de vista semântico, quase a totalidade da população mundial é conservadora. Só as crianças e os adolescentes escapam dessa estatística macabra - por isso, gosto tanto deles.

Mas, Gustavo, quanta enrolação, meu filho. Vai direto ao assunto! Não.

Tá bom, tá bom.... Eu vou.

De repente, o Facebook se transformou de novo no grande inimigo da "causa". É até tedioso. A porção social que se dispõe a produzir conteúdo também é preguiçosa - diferentemente da direita que é preguiçosa full time. Luta-se, luta-se, luta-se e, quando surge uma dificuldade inesperada, a culpa é de quem? Do Facebook.

Muitas mídias ainda não entenderam o que é o Facebook. Ainda que tenham ética jornalística, elas ainda operam dentro da "Lógica da Ana". Ou: da Ana Lógica.

São analógicos. Não é fácil lhes tirar a convicção. Eu só fico olhando. Porque não há na face dessa terra plataforma mais inteligente e democrática que o Facebook, para desgosto e profunda tristeza de toda legião de insatisfeitos.

Este singelo espaço que está diante de vossos olhos - o meu humilde perfil - é um dos instrumentos mais espetaculares de produção e gerenciamento de sentidos e de debates [este texto foi originalmente escrito para o Facebook]. A dicção aqui é coletiva. Eu me aproprio da inteligência de vocês e costuro reflexões frenéticas diariamente, dentro dos meus limites, mas também dentro de uma linha narrativa que se propaga e reflui, re-significada, em forma de comentários e desdobramentos, num processo sem fim. 

Do que se reclama, afinal, meu Deus?


Evidentemente, podem me perguntar: você é remunerado por isso? O Facebook te paga? E eu sou obrigado a responder desenhando: desde quando a unidade monetária é a única forma de valoração de um trabalho?

Se pensasse assim, Mark Zuckerberg não teria criado o Facebook e sim um sitezinho de dowloands e de aplicativos com banners de cafeterias e agência de turismo.

Curioso é que todas as mídias estão em processo de sofrência com o Facebook, das golpistas às não golpistas. A Folha paga seus funcionários-padrão para injuriar a rede social dia sim, outro também. Por outro lado, mídias que sobrevivem a duríssimas penas - porque são boicotadas por empresários de rabo preso  - também embarcam nesse turbilhão de terceirização de culpas.

O Facebook não é a Telebrás dos anos 90, meus caros. O Facebook é uma empresa privada. Se não gostam, façam outra rede social melhor e conquistem mercados e corações.

Gente inteligente chega a citar Europa e China como "exemplos" de relação Estado-rede social. Aparentemente, a China proíbe certas alterações no famoso algoritmo, assim como a Europa. Lamento, mas dessa visão, eu não compartilho.

O Facebook é inovação. É uma construção coletiva, não o produto da cabeça de uma pessoa, como muitas pessoas analógicas costumam gostar de acreditar. Essa rede social - e não as outras que, sim, são tubos de ensaio incompletos e artificiais - é a mudança de paradigma encarnada. Não se luta contra isso - e nem se adere, pura e simplesmente. Diante de uma realidade e de um fenômeno desses, o que nos resta é a responsabilidade de tentar aperfeiçoá-lo e compreendê-lo (talvez, não nessa ordem).

Curioso é que estamos numa encruzilhada histórica definitivamente ambígua: quem ainda detém o poder da análise (e do discurso) é a geração analógica e quem se apropriou do poder tecnológico é a geração digital. Reparem que analógico/digital também tem a ver com parâmetros de interpretação de texto e escrita. Ou: tem a ver com o pensamento e com a capacidade de produzir teses consequentes para o tempo presente.

Se o Facebook mudou o algoritmo para publicações em vídeo e/ou links de notícias, qual é o problema? Vai acabar com o "meu" esquema de distribuição profissional de informação?

Gente, please. Sem simplismos. O Facebook é uma "rede social". Está no nome da coisa. Não é uma plataforma para desova de links, vídeos - de concorrente - ou da "minha" visão corporativa de notícia. Ésse, ó, cê, i, a, éle: s-o-c-i-a-l. Para quê querer matar isso? 

Essa briga bizarra que coloca do mesmo lado mídias alternativas e golpistas é apenas e tão somente a clássica replicação da manutenção do direito à propriedade. É uma briga da direita conservadora, pelo amor de Deus.

O Facebook não pode deixar nichos corporativos serem criados dentro dele, sob o risco de ser devorado pela "Lógica da Ana". O Facebook quer o humano, o indivíduo, o texto, a intimidade, a interação. As teorias conspiratórias - que não são conspiratórias - não estão no Facebook, estão em outro lugar.

Eu costumo dizer que cada um tem o Facebook que merece. Se a pessoa não produzir conteúdo, ela vai ter problemas. Se ela não souber interagir com seu outro, tchau. Se ela viver numa bolha familiar, idem. Se ela tem um site e quer aproveitar o Facebook para divulgar seu trabalho ela tem duas opções: ou joga o jogo ou deposita toda a culpa do seu eventual fracasso na pobre da rede que não tem nada a ver com isso.

Se, por outro lado, o usuário da rede se der ao trabalho de ler e escrever (e publicar e debater e celebrar e, eventualmente, se queixar), ele terá diante de si a mais genial plataforma de texto - e sentido - jamais imaginada seja pela literatura fantástica, seja por consultores de tecnologia.

Imaginem um Proust diante de um Facebook? Um James Joyce? Um Ezra Pound? Um Drummond, um Rosa, um Shakespeare, um Flaubert, um Rimbaud? Claro. O ceticismo padrão diria: eles iriam ficar discutindo política e futebol.

Mas a pergunta é retórica. Ela exige sensibilidade e desapego. Fato é que: o texto nunca foi tão interativo assim em toda a história da humanidade. Isso é um divisor de águas civilizatório, com todos os efeitos colaterais que se possa ter - e que são a prova concreta da mudança de paradigma, pois toda ruptura histórica-subjetiva tem seus corolários assaz inflamados.

Minha experiência com o Facebook é espetacular. A leitura, a escrita e a interação deram um salto de qualidade e intensidade. Foram aceleradas. Eu não preciso ser remunerado para tirar proveiro disso. Eu faço o contrário: aprendo nas redes e coloco em prática essa aprendizagem fora delas. É como se fosse um curso aplicado, em modo work in progress.

A troco de quê vou entrar nesse efeito manada e vou falar mal das redes, inclusive na própria rede?

A imprensa morreu e não sabe. E vai culpar o Facebook por sua morte até a decomposição do cadáver. As mídias alternativas, por sua vez, surpreendentemente replicam essa lógica (da Ana). Seria, inclusive, o momento para demarcar território - mais um.

De minha parte, agradeço a inteligência do Facebook. Ele nos protege da lógica infame da propagação desvairada e desvirtuada de notícias e informações produzidas a toque de caixa em busca de likes, aceitação e monetizações. Menos mal que eles reclamem e se afastem.

O Facebook é imenso e poderoso porque valoriza o sujeito, por mais incrível que isso possa parecer. A rede social é constituída de um processo artesanal de produção e gerenciamento de sentidos. Por isso, ela continua revolucionária. Por isso, ela assusta. Por isso, ela incomoda. Por isso, ela suscita tanto ódio, tanta análise transversal fajuta, tanto preconceito, tanta incompreensão.

Quando as mídias alternativas entenderem do que se trata o Facebook, elas enterram no mesmo dia a imprensa familiar cadavérica que ainda amarra a liberdade de expressão e de pensamento nesse imenso e curioso país da América do Sul.

Fico pensando no seguinte diálogo imaginário de espécimes humanas criticando o Facebook na Idade da Pedra. Seria mais ou menos assim:

"- Ai, você viu aquele papo de 'pintura rupestre'? Horrível. O pessoal fica lá o dia inteiro na caverna fazendo aquilo!
- Nem me fale. São uns idiotas. Vem. Vamos lá na beria do rio lascar as nossas pedras em paz."

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