segunda-feira, 16 de julho de 2018

A propaganda enganosa das consultorias de educação, por Gustavo Conde


Dos agentes supostamente imbuídos de algum projeto sério, os mais perigosos são os embrulhados em papel celofane. Eles decoram as práticas redacionais semi-acadêmicas, lapidam uma dicção com ares de contundente e dizem o que todos querem ouvir. São os chamados ‘carreiristas’, espécime que sempre goza de popularidade relativa nos nichos domesticados do mercado.

No mundo da educação, isso se torna quase metalinguagem. Onze entre dez analistas que dizem que ‘as pessoas não sabem ler’, não sabem ler. É um sintoma. Fica até constrangedor apontar o vexame, porque, afinal de contas, é um terreno em que o narcisismo e a libido transbordam a cada argumento mal feito.

Eu me senti obrigado a comentar parágrafo por parágrafo do artigo desde cidadão que atende pelo nome de Otávio Pinheiro, e que foi publicado no jornal Folha de s. Paulo. Trata-se de propaganda enganosa. Abaixo, o artigo comentado [meus comentários vão em colchetes, logo abaixo do fragmento-objeto do comentário]

Nunca se escreveu tanto, tão errado e se interpretou tão mal

[que título modesto. Melhor seria dizer: todo mundo é burro e só eu sou inteligente]

Saber ler e interpretar é questão de sobrevivência e amplia nossos horizontes

[alguém já leu algum clichê mais elementar do que esse?]

A pesquisa Indicador de Alfabetismo Funcional, conduzida pelo Instituto Paulo Montenegro em parceria com a ONG Ação Educativa, aponta que apenas 22% dos brasileiros que chegaram à universidade têm plena condição de compreender e se expressar.

[o primeiro parágrafo deixa claro: o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa são ‘palavras-chave’. A reflexão se inicia mostrando os dentes: é interessada e marqueteira]

Na prática, esses jovens adultos estão no chamado nível proficiente –o mais avançado estágio de alfabetismo. São leitores capazes de entender e se expressar por meio de letras e números. Mais ainda, compreendem e elaboraram textos de diferentes modalidades (email, descrição e argumentação) e estão aptos a opinar sobre um posicionamento ou estilo de autores de textos.

[Decorou direitinho os pressupostos técnicos internacionais da ‘moda’ sobre leitura e escrita. E só. O mundo deu voltas depois disso. Aceitar o modelo de maneira passiva sem levar em conta realidades específicas culturais e econômicas é desonestidade intelectual, para dizer o mínimo] 

Em contrapartida, a pesquisa de 2016 aponta que 4% dos universitários estão no grupo de analfabetos funcionais.

[Estou confiando na pesquisa e na metodologia da pesquisa...]

Os dados de leitura, escrita e interpretação do Brasil ajudam a entender algumas das origens desse baixo índice de letramento como, por exemplo, os resultados de Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2014, que mostra que 537 mil alunos zeraram a redação da prova –ou seja, quase 10% do total de 6 milhões de participantes que entregaram a prova. Em 2017, por sua vez, 309 mil alunos zeraram a redação, e apenas 53 tiraram a nota máxima.

[Só números, zero análise. Enxuga gelo argumentativo dizendo que os dados de leitura explicam os resultados do Enem. Mais simplista que isso, talvez, só nosso atual ministro da educação]

Na análise do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), a distância do Brasil em relação a outros países é imensa. Os dados de 2016 colocam luz sobre um dos problemas cruciais da educação brasileira, visto que indicam que entre os 70 países avaliados, o Brasil fica na posição 59 em termos de leitura e interpretação.

[Para que dizer o que todo mundo já sabe?]

Com todas as evidências e dados, é hora de colocar a escrita, a leitura e a interpretação como bandeira em todos os níveis da sociedade. A capacidade de comunicação e a linguística são habilidades complexas do ser humano e, para exercitar, precisamos de estímulos, referências e políticas de Estado que deem prioridade a estes aspectos educacionais.

[Falou besteiras monumentais. A ‘linguística’ não é uma ‘habilidade complexa do ser humano. A ‘linguística’ é um campo do conhecimento. Faltou revisão do texto. Outra coisa: a ‘capacidade de comunicação’ ser ‘uma habilidade complexa’ é muito generalizante, não diz nada, além de ser um enunciado pouco técnico. Se o Sr. Otávio disser isso num congresso da Abralin, ele sai escalpelado de lá. De resto, ele complementa o frágil argumento com um terrível lugar-comum: ‘precisamos de estímulos’. Se esse texto fosse uma redação do Enem, teria perdido 80 pontos só nesse parágrafo pelo mau gerenciamento da coerência textual]

A leitura nos leva a aprender, a sonhar e a ter experiências de lógica, além de vivências criativas que mudam vidas. A vida é construída com falas, recepção, risos, sarcasmos, fábulas. Também é construída a partir do entendimento daquilo que é diferente, entendimento do outro.

[‘A leitura nos leva a ter experiências de lógica’? ‘A vida é construída com falas’? Não é sério isso]

Quando converso com professores, empresários, pais e mães –ou seja, com várias matrizes da sociedade–, todos falam que um número expressivo de pessoas tem dificuldades de escrita, leitura e interpretação. Em muitos casos, o mundo fica difícil de ser interpretado.

[Quando você conversa com pais e mães? Falta rigor em termos de levantamento controlado e qualitativo]

Espinhoso e polêmico, o problema da educação no Brasil não será resolvido com uma bala de prata, uma única iniciativa. Deve-se pensar em soluções integradas como a Olimpíada Brasileira de Redação, que estimula a mobilização de todos os estudantes do país.

[Ah, o negócio é a ‘Olimpíada Brasileira de Redação’? Parece um bom negócio]

É preciso que os processos de recrutamento das empresas deem mais valor para atividades que incluam o texto como avaliação. E também contar com os negócios de impacto social focados em educação para endereçarem soluções viáveis.

[Lembrei do texto do Luciano Huck, que avança, avança, sem dizer nada]

Como educador, tenho acompanhado com perplexidade que nunca se escreveu tanto, tão errado e se interpretou tão mal na história da humanidade. Como empreendedor da Redação Online –primeira edutech acelerada na Estação Hack, iniciativa do Facebook em parceria com a Artemisia– defendo que o empreendedorismo de impacto social é uma importante ferramenta para vencer esse desafio de melhorar o letramento dos brasileiros.

[Notem o nível de auto promoção. Nem houve preocupação em disfarçar. E da onde o autor tira esse dado? ‘Nunca se escreveu tanto, tão ‘errado’ e se interpretou tão mal na história da humanidade’? Eu acho que o Sr. Otávio tem que estar incluso nessa estatística, para que ela tenha uma validade mínima]

A Redação Online é uma solução que viabiliza correções de redações preparatórias para Enem, vestibulares e concursos, com qualidade e em escala nacional. São 32 mil estudantes atendidos, sendo 35% oriundos de escolas públicas.

[Auto propaganda]

Em 2018, tivemos a alegria de ter, entre os alunos, 120 aprovados em medicina, a maioria deles vindos de escolas públicas. Em locais como Ilha de Marajó, com acesso de internet difícil, a solução comprova o impacto social. Com um upload rápido, o aluno pode baixar o conteúdo em uma área com wayfi, por exemplo. É diferente da aula online que requer um serviço de internet melhor.

[Auto propaganda]

A cada dez alunos do Redação Online, oito aumentaram as próprias notas em até 400 pontos. Hoje, temos uma rede de 600 revisores em todo o Brasil que, além da correção ortográfica, traçam comentários sobre como melhorar, dicas de livros e links de conteúdo. 

[Auto propaganda]

Defendo que saber ler e interpretar é questão de sobrevivência. O prazer de ler, escrever e interpretar amplia nossos horizontes, amplifica a nossa imaginação e nos liberta de preconceitos, extremismos e opiniões fundamentalistas.

[Excesso de clichês. E, convenhamos: ‘fundamentalista’ é um texto que só faz propaganda de si, que decora premissas descontextualizadas e que nada em soberba pegajosa, generalizando e rebaixando o universo da escrita e da leitura de maneira torpe e absolutamente inconsistente. Um escândalo um texto desses ser publicado em um jornal de circulação nacional. ‘Escândalo’, mas compreensível. Afinal, business são business]


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