Dos agentes
supostamente imbuídos de algum projeto sério, os mais perigosos são os
embrulhados em papel celofane. Eles decoram as práticas redacionais semi-acadêmicas,
lapidam uma dicção com ares de contundente e dizem o que todos querem ouvir.
São os chamados ‘carreiristas’, espécime que sempre goza de popularidade
relativa nos nichos domesticados do mercado.
No mundo da
educação, isso se torna quase metalinguagem. Onze entre dez analistas que dizem
que ‘as pessoas não sabem ler’, não sabem ler. É um sintoma. Fica até
constrangedor apontar o vexame, porque, afinal de contas, é um terreno em que o
narcisismo e a libido transbordam a cada argumento mal feito.
Eu me senti
obrigado a comentar parágrafo por parágrafo do artigo desde cidadão que atende
pelo nome de Otávio Pinheiro, e que foi publicado no jornal Folha de s. Paulo.
Trata-se de propaganda enganosa. Abaixo, o artigo comentado [meus comentários
vão em colchetes, logo abaixo do fragmento-objeto do comentário]
Nunca se escreveu
tanto, tão errado e se interpretou tão mal
[que título
modesto. Melhor seria dizer: todo mundo é burro e só eu sou inteligente]
Saber ler e interpretar é questão de sobrevivência e amplia
nossos horizontes
[alguém já leu algum clichê mais elementar do que esse?]
A pesquisa Indicador de Alfabetismo Funcional, conduzida
pelo Instituto Paulo Montenegro em parceria com a ONG Ação Educativa, aponta
que apenas 22% dos brasileiros que chegaram à universidade têm plena condição
de compreender e se expressar.
[o primeiro parágrafo deixa claro: o Instituto Paulo Montenegro
e a ONG Ação Educativa são ‘palavras-chave’. A reflexão se inicia mostrando os
dentes: é interessada e marqueteira]
Na prática, esses jovens adultos estão no chamado nível
proficiente –o mais avançado estágio de alfabetismo. São leitores capazes
de entender e se expressar por meio de letras e números. Mais
ainda, compreendem e elaboraram textos de diferentes modalidades (email,
descrição e argumentação) e estão aptos a opinar sobre um posicionamento
ou estilo de autores de textos.
[Decorou direitinho os pressupostos técnicos internacionais da
‘moda’ sobre leitura e escrita. E só. O mundo deu voltas depois disso. Aceitar
o modelo de maneira passiva sem levar em conta realidades específicas culturais
e econômicas é desonestidade intelectual, para dizer o mínimo]
Em contrapartida, a pesquisa de 2016 aponta que 4% dos
universitários estão no grupo de analfabetos funcionais.
[Estou confiando na pesquisa e na metodologia da
pesquisa...]
Os dados de leitura, escrita e interpretação do Brasil
ajudam a entender algumas das origens desse baixo índice de letramento como,
por exemplo, os resultados de Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2014,
que mostra que 537 mil alunos zeraram a redação da prova –ou seja, quase
10% do total de 6 milhões de participantes que entregaram a prova. Em 2017, por
sua vez, 309 mil alunos zeraram a redação, e apenas 53 tiraram a nota
máxima.
[Só números, zero análise. Enxuga gelo argumentativo dizendo
que os dados de leitura explicam os resultados do Enem. Mais simplista que
isso, talvez, só nosso atual ministro da educação]
Na análise do Pisa (Programa Internacional de Avaliação
de Alunos), a distância do Brasil em relação a outros países é imensa. Os
dados de 2016 colocam luz sobre um dos problemas cruciais da educação
brasileira, visto que indicam que entre os 70 países avaliados, o Brasil fica
na posição 59 em termos de leitura e interpretação.
[Para que dizer o que todo mundo já sabe?]
Com todas as evidências e dados, é hora de colocar a
escrita, a leitura e a interpretação como bandeira em todos os níveis da
sociedade. A capacidade de comunicação e a linguística são habilidades
complexas do ser humano e, para exercitar, precisamos de estímulos, referências
e políticas de Estado que deem prioridade a estes aspectos educacionais.
[Falou besteiras monumentais. A ‘linguística’ não é uma ‘habilidade
complexa do ser humano. A ‘linguística’ é um campo do conhecimento. Faltou
revisão do texto. Outra coisa: a ‘capacidade de comunicação’ ser ‘uma habilidade
complexa’ é muito generalizante, não diz nada, além de ser um enunciado pouco
técnico. Se o Sr. Otávio disser isso num congresso da Abralin, ele sai
escalpelado de lá. De resto, ele complementa o frágil argumento com um terrível
lugar-comum: ‘precisamos de estímulos’. Se esse texto fosse uma redação do
Enem, teria perdido 80 pontos só nesse parágrafo pelo mau gerenciamento da coerência
textual]
A leitura nos leva a aprender, a sonhar e a ter experiências
de lógica, além de vivências criativas que mudam vidas. A vida é construída com
falas, recepção, risos, sarcasmos, fábulas. Também é construída a partir do
entendimento daquilo que é diferente, entendimento do outro.
[‘A leitura nos leva a ter experiências de lógica’? ‘A vida
é construída com falas’? Não é sério isso]
Quando converso com professores, empresários, pais e mães
–ou seja, com várias matrizes da sociedade–, todos falam que um número
expressivo de pessoas tem dificuldades de escrita, leitura e interpretação. Em
muitos casos, o mundo fica difícil de ser interpretado.
[Quando você conversa com pais e mães? Falta rigor em termos
de levantamento controlado e qualitativo]
Espinhoso e polêmico, o problema da educação no Brasil não
será resolvido com uma bala de prata, uma única iniciativa. Deve-se pensar
em soluções integradas como a Olimpíada Brasileira de Redação, que estimula a
mobilização de todos os estudantes do país.
[Ah, o negócio é a ‘Olimpíada Brasileira de Redação’? Parece
um bom negócio]
É preciso que os processos de recrutamento das empresas deem
mais valor para atividades que incluam o texto como avaliação.
E também contar com os negócios de impacto social focados em educação
para endereçarem soluções viáveis.
[Lembrei do texto do Luciano Huck, que avança, avança, sem
dizer nada]
Como educador, tenho acompanhado com perplexidade que nunca
se escreveu tanto, tão errado e se interpretou tão mal na história da
humanidade. Como empreendedor da Redação Online –primeira edutech acelerada
na Estação Hack, iniciativa do Facebook em parceria com a Artemisia–
defendo que o empreendedorismo de impacto social é uma importante ferramenta
para vencer esse desafio de melhorar o letramento dos brasileiros.
[Notem o nível de auto promoção. Nem houve preocupação em
disfarçar. E da onde o autor tira esse dado? ‘Nunca se escreveu tanto, tão ‘errado’
e se interpretou tão mal na história da humanidade’? Eu acho que o Sr. Otávio tem
que estar incluso nessa estatística, para que ela tenha uma validade mínima]
A Redação Online é uma solução que viabiliza correções
de redações preparatórias para Enem, vestibulares e concursos, com qualidade e
em escala nacional. São 32 mil estudantes atendidos, sendo 35% oriundos de
escolas públicas.
[Auto propaganda]
Em 2018, tivemos a alegria de ter, entre os alunos, 120
aprovados em medicina, a maioria deles vindos de escolas públicas. Em
locais como Ilha de Marajó, com acesso de internet difícil, a solução comprova
o impacto social. Com um upload rápido, o aluno pode baixar o conteúdo em uma
área com wayfi, por exemplo. É diferente da aula online que requer um serviço
de internet melhor.
[Auto propaganda]
A cada dez alunos do Redação Online, oito aumentaram as
próprias notas em até 400 pontos. Hoje, temos uma rede de 600 revisores em todo
o Brasil que, além da correção ortográfica, traçam comentários sobre como
melhorar, dicas de livros e links de conteúdo.
[Auto propaganda]
Defendo que saber ler e interpretar é questão de
sobrevivência. O prazer de ler, escrever e interpretar amplia nossos
horizontes, amplifica a nossa imaginação e nos liberta de preconceitos, extremismos
e opiniões fundamentalistas.
[Excesso de clichês. E, convenhamos: ‘fundamentalista’ é um texto
que só faz propaganda de si, que decora premissas descontextualizadas e que
nada em soberba pegajosa, generalizando e rebaixando o universo da escrita e da
leitura de maneira torpe e absolutamente inconsistente. Um escândalo um texto
desses ser publicado em um jornal de circulação nacional. ‘Escândalo’, mas
compreensível. Afinal, business são business]
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